Vida Cristã
01/04/2020Telescópio – 251
01/06/2020Incentivo ao vício
Legalização dos jogos de azar volta à discussão no Congresso, reacendendo a polêmica sobre suas consequências prejudiciais para a família e a sociedade
Por Evandro Teixeira
Os cassinos brasileiros surgiram na década de 1920. Durante o primeiro governo de Getúlio Vargas (1930-1945), houve grandes investimentos nessa área, e chegaram a existir cerca de 70 casas de jogos no país. Em 1946, no primeiro ano da presidência do general Eurico Gaspar Dutra, a prática foi proibida, sob o argumento de que era degradante para o ser humano. No entanto, o assunto retornou à pauta, há seis anos, em razão do Projeto de Lei 186/2014, do senador Ciro Nogueira (PP-PI), que pretende reabrir os salões de apostas no Brasil.
Em março, em meio à pandemia do novo coronavírus, a matéria já estava pronta para ser votada no Senado. Segundo o texto, diversas modalidades de jogos, em ambiente físico ou virtual, seriam regulamentadas, como o jogo do bicho, as vídeo-loterias, os bingos e os jogos de cassino. O tema, contudo, divide opiniões. Aqueles que são favoráveis apontam para um aumento de receita de estados e municípios, geração de empregos e atração de turistas. Já os opositores a esse plano afirmam que a aprovação dele estimulará o vício e facilitará a lavagem de dinheiro.
A Frente Parlamentar Evangélica (FPE), presidida pelo deputado federal Silas Câmara (Republicanos-AM), é contrária à legalização dessa proposta. Para ele, a atividade em questão está intimamente relacionada ao tráfico de drogas, ao turismo sexual e à escravidão. Somos a favor da vida, da família, da saúde social, e quem é a favor de tudo isso não pode compactuar com os jogos de azar¸ declarou o parlamentar ao site Em Tempo. Por sua vez, o Ministério Público Federal se manifestou, em 2017, contra a legalização desses jogos, dizendo que ela iria ao encontro dos anseios dos criminosos.
Ilusão e pecado – A atitude da FPE é aplaudida pela cientista social Tânia Foster, de São Loureço do Sul (RS). Ela frisa que, devido ao histórico combativo da bancada, não esperava uma postura diferente. O vício em jogos, lembra a especialista, é motivo de ruína para muitas famílias. “A ilusão do dinheiro fácil pode levar rapidamente um indivíduo a um desastre financeiro e ao desentendimento em seu lar”, pontua. Ela observa que as probabilidades de obter vantagem nunca estão a favor do jogador. Ademais, destaca a associação dessa prática, em geral, ao consumo de álcool e drogas ilícitas.
O doutor e mestre em Ciências da Religião, Silas Klein Cardoso, da Igreja Evangélica Congregacional em Vila Vera, São Paulo (SP), acrescenta à discussão outro importante elemento: a ética sob os pontos de vista pessoal e social. De acordo com ele, pensar na jogatina a partir do indivíduo significa considerar a liberdade dele de tomar as próprias decisões, mesmo essas podendo, futuramente, prejudicá-lo. Por outro lado, as implicações na sociedade dizem respeito a sujeitos que podem ser feridos em função de seu vício.
Como há medidas proibitivas quanto aos jogos de azar desde a década de 1940, Cardoso evidencia que o argumento da FPE se baseia em três panoramas: dados de outros países onde há permissão para a jogatina acontecer, a experiência ilegal dela e as narrativas hipotéticas. Historicamente, acrescenta o doutor, os evangélicos a entendem como um pecado contra Deus, pois ela encaminha à devassidão. “A dependência de jogos é um problema que deve ser pesado.”
Ruína familiar – O taxista José Cláudio Malfitano de Araújo, 54 anos, enxerga a liberação dos cassinos e assemelhados como algo nocivo por experiência própria. Por volta dos 20 anos, ele frequentava assiduamente casas clandestinas de jogos de azar. Quando notou, já estava renunciando à sua vida pessoal em prol do vício. “Embora não fosse casado, não conseguia manter relacionamentos. Minha atenção era mais voltada para a jogatina.” Hoje, ele compreende que essa era uma armadilha do diabo para aprisioná-lo. “Apenas achamos que ganhamos. Se conquistamos bons resultados em um dia, nos outros, só perdemos”, informa José Cláudio. Quem desconhece a Palavra e joga, assinala ele, terá bastante dificuldade de se libertar.
Membro da Assembleia de Deus Ebenezer, em Inoã, na cidade de Maricá (RJ), Malfitano ficou livre do problema há cinco anos, ao ter a vida transformada por Jesus. Em seguida, reencontrou uma antiga namorada, com quem havia rompido por causa dos jogos. Eles reataram o namoro e se casaram.
O vendedor Antônio Demostenes de Carvalho, 58 anos, membro da sede estadual da Igreja Internacional da Graça de Deus (IIGD) em Teresina (PI), também é contra o projeto que está no plenário. Antes de sua conversão, há cinco anos, influenciado por parentes, tornou-se dependente do jogo de cartas. Ele jogava todos os dias. Por causa disso, as brigas com a esposa começaram. “Boa parte do dinheiro, que deveria levar para casa, acabava sendo usada para esse fim, e isso quase arruinou minha família”, reconhece Antônio, feliz pela restauração da paz de seu lar.
O vício é um transtorno do controle dos impulsos, assim explica a psicóloga Rosane Regis Ouverney, especializada em Terapia Familiar. Portanto, ele não deve ser encarado apenas como um comportamento, mas também como uma patologia. Segundo a especialista, membro da Assembleia de Deus na Taquara, zona oeste do Rio de Janeiro (RJ), essa compulsão vem crescendo em vários países em consequência da grande oferta de jogos em locais físicos e virtuais. Combater essa prática, acredita ela, constitui um desafio que permeia, principalmente, as pessoas mais próximas do envolvido nela. “O núcleo familiar é o primeiro lugar onde um comportamento inadequado é observado, sendo igualmente a área mais prejudicada por uma possível disfunção.”
A personalidade do jogador patológico, afirma a terapeuta, tem traços em comum com a dos portadores de transtorno do espectro obsessivo-compulsivo. “Essas pessoas dificilmente se submetem às regras a fim de não perder o prazer do vício.” A profissional informa que, desde 1992, a Organização Mundial da Saúde (OMS) reconhece esse comportamento como doença. Na visão de Ouverney, o discurso de quem defende a legalização dos jogos de apostas sob o ponto de vista econômico não pode esconder as mazelas resultantes dessa prática. [Do editor: Ouverney refere-se à ludomania, desordem incluída na Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde (CID-10)]
O vendedor Antônio Demostenes de Carvalho, que é contra o projeto de liberação da jogatina: antes de sua conversão, há cinco anos, tornou-se dependente do jogo de cartas
A psicóloga Rosane Regis Ouverney lembra que o vício em jogo não deve ser encarado apenas como um comportamento, mas também como uma patologia: transtorno do controle dos impulsos
Fotos: Arquivo pessoal
Fuga da realidade – Líder da IIGD em Vespasiano, região metropolitana de Belo Horizonte (MG), o Pr. Natalício Eugênio de Souza entende que, antes de se tornarem um vício, os jogos são vistos como uma opção de lazer. No entanto, com o passar do tempo, tornam-se refúgio diante de diversas frustrações da vida pessoal. “É uma das iscas perfeitas de Satanás para induzir o ser humano ao fracasso total”, alerta o pregador. Ele é absolutamente contrário à legalização da proposta. Ao comentar sobre o argumento dos defensores da liberação da jogatina de que seria lucrativo para a nação, Souza não aceitou a argumentação e salienta que “a Igreja deve cumprir o seu papel de auxiliar na estruturação familiar, por meio da Palavra do Senhor”.
Para o Pr. Sandro Veiga da Silva, da Igreja Presbiteriana Renovada do Brasil em Passos (MG), o principal condutor para qualquer vício é a fuga da realidade. “Todo dependente tenta fugir da responsabilidade real, escondendo-se na falsa esperança de uma solução instantânea a uma negligência recorrente.” Silva considera acertada a decisão dos parlamentares evangélicos de não apoiarem a reabertura dos espaços aos jogos, justamente por causa das consequências destrutivas deles, em especial para as famílias.
Pr. Sandro Veiga da Silva: “Todo dependente tenta fugir da responsabilidade real, escondendo-se na falsa esperança de uma solução instantânea a uma negligência recorrente”
Fotos: Arquivo pessoal
4 Comments
A Revista Show da Fé está de parabéns. Trazendo matériais sempre muito interessantes e agora também de forma virtual. Parabéns pela iniciativa.
Muito grato, caríssima pastora. Que Deus nos dê sabedoria para abordarmos todos os temas das reportagens sempre da maneira mais equilibrada possível.
O vício do jogo é muito grave pois tenho lutado contra ele há muitos anos na vida do meu marido. Perdemos tudo que tínhamos e a dignidade tbm . Só Deus pode mudar essa situação em nome de Jesus
Que o Senhor restaure todas as coisas. É a nossa oração por sua família e por sua casa. Deus é contigo!