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Líderes e especialistas analisam o futuro da Igreja Evangélica e seu alcance na internet
Por Patrícia Scott
Os evangélicos são o grupo religioso que mais aumenta no Brasil há mais de quatro décadas consecutivas. Em 1980, eles correspondiam a 6,6% da população nacional. Em 1991, esse percentual subiu a 9,0%. Em 2000, já representava 15,4% e, em 2010, era 22,2%. Em 2020, não foi realizado o Censo devido à pandemia. Porém, dados divulgados pelo instituto de pesquisas Datafolha no início daquele ano estimavam que os evangélicos já eram 31% da população nacional, ou seja: quase 66 milhões de pessoas, levando-se em conta a projeção do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) para a população do país na época, que era de 211,7 milhões.
É possível que os evangélicos se tornem o grupo religioso mais numeroso de nossa nação ainda na próxima década. A estimativa foi feita pelo demógrafo José Eustáquio Diniz Alves, professor aposentado da Escola Nacional de Ciências Estatísticas do IBGE, no início de 2020. Segundo ele, se o mesmo ritmo de crescimento for mantido, o grupo será o maior segmento religioso nacional a partir de 2032, concentrando mais de 40% da população.
Contudo, todas essas projeções são anteriores à crise de saúde mundial e às mudanças que ela impôs às igrejas ao longo do ano passado. A emergência sanitária, que colocou o mundo em alerta, alterou drasticamente a rotina dos templos religiosos. Impedidas de se reunirem presencialmente, durante boa parte de 2020, as comunidades cristãs se viram obrigadas a voltar o olhar para a internet. Para saber se elas conseguiram fixar seu alcance mesmo com as portas fechadas, a redação de Graça/Show da Fé foi a campo para buscar a resposta a esse questionamento.
É verdade que ainda não é possível saber o quanto a pandemia teria afetado o crescimento numérico das igrejas evangélicas. No entanto, já é possível afirmar que elas se adaptaram à nova realidade de modo rápido. Afinal, era preciso prosseguir com os cultos e a comunhão dos irmãos, ainda que à distância. Portanto, mesmo igrejas que não tinham tanta experiência no universo digital tiveram de se adaptar.
Atualmente, enquanto os efeitos do novo coronavírus continuam sendo sentidos e o calendário de vacinação contra ele é cumprido, muitos líderes estão conscientes de que ir aos confins da Terra no momento implica, necessariamente, fazer-se presente na web. Afinal, a Igreja é feita de pessoas, e a maioria delas interage nos dois ambientes. Dados da Agência Nacional de Telecomunicações (ANATEL), relativos a abril deste ano, indicam que o Brasil tinha 242,1 milhões de celulares, o que representa pouco mais de um aparelho de telefonia móvel para cada habitante. Com relação ao acesso à rede mundial de computadores, sabe-se que 74% da população com dez anos ou mais ficam on-line, segundo a última pesquisa do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br), realizada em 2019.
“Nova realidade” – Desse modo, a Grande Rede é considerada uma ferramenta essencial para o avanço da pregação evangélica. É o que pensa o Pr. Jorge Monteiro, líder do “campus virtual” da Nova Igreja – comunidade evangélica que se reúne presencialmente em cidades, como Rio de Janeiro, Brasília (DF) e Atlanta (EUA), e que “congrega” por meio do ministério mantido nas plataformas digitais. “A quantidade de visitantes cresceu significativamente em nossa denominação a partir do trabalho on-line, que começou muito antes da pandemia”, testemunha o pregador.
Na opinião de Monteiro, a Igreja da atualidade precisa estar envolvida em um mix de atuações. “É uma nova realidade”, analisa ele, assinalando que a atuação eclesiástica na internet é um recurso para os cristãos aumentarem sua influência social. Entretanto, ele afirma que, embora o crescimento de qualquer igreja possa ser alavancado pela web, sempre estará vinculado à ação sobrenatural de Deus, ao propósito dEle e ao papel desempenhado por ela na sociedade. “Não basta estar na rede. É preciso investimento em equipamentos, delimitar uma estratégia e boa programação”, enumera.
Monteiro aproveita a oportunidade para desmistificar a ideia de a internet ser um espaço para cristãos preguiçosos, que só querem assistir a pregações por meio das redes sociais. De acordo com ele, há várias oportunidades de serviço no ministério virtual, em áreas, como intercessão, aconselhamento e ensino bíblico. Por outro lado, o líder alerta para a preservação do mais fundamental aspecto da vida cristã: a comunhão entre os irmãos, ainda que por meio telemático. Para o ministro, esse é um erro comum que muitos cometem quando se trata do ambiente virtual. “Pensam que, por ficarem satisfeitos com a ministração da Palavra, é o bastante”, critica.
O gestor em Estratégia de Risco Rodrigo Coutinho, diretor da empresa Beside Soluções, acredita que as igrejas precisam estar atentas à questão da comunhão no ambiente da internet, especialmente após tanto tempo de cultos não presenciais. “Métodos on-line são apenas novos instrumentos e, assim, requerem novos usos e novas estratégias”, observa, ressaltando que os vínculos entre os irmãos não são construídos apenas com ferramentas, mas também com contato entre as pessoas. “Se a igreja deseja retomar rapidamente sua proximidade com os membros e não ser somente um palco com expectadores, terá de criar meios de relacionamento mesmo que pela web”, alerta Rodrigo, o qual lembra que “o melhor método, usado por Cristo, é o contato, o relacionamento, o vínculo”.
Formatos atuais – O Pr. Rubem Barbosa, da Yah Church de Vila Leopoldina, na zona oeste de São Paulo (SP), pensa que os modelos de comunicação e de manutenção de vínculos pessoais mudaram a partir da utilização da internet. Porém, Barbosa destaca que, no caso das igrejas, os canais virtuais não são a forma como as pessoas foram acostumadas a exercitar a comunhão eclesiástica, o que pode gerar desalento, seja por tradição arraigada, limitação de estrutura seja apenas por resistência. “O desconforto é perfeitamente natural, porém a Igreja está sendo forjada para os formatos de comunicação e de relacionamento atuais”, enfatiza o pastor, sublinhando que a comunhão virtual pode ser levada a efeito por meio de diversas plataformas, como Zoom, Google Meet e Microsoft Teams. “Essas são algumas das formas de a Igreja ser igreja”, lista.
Ainda na opinião de Rubem Barbosa, os modelos de igrejas física e virtual não são excludentes entre si, mas complementares. Para ele, o espaço digital é mais um canal para ampliar a visão dos servos de Deus e o alcance de sua mensagem. “O serviço ao Pai é presencial, no entanto, também, acontece pelos canais virtuais. Será uma igreja em movimento”, comenta o pastor, o qual analisa que, a cada época, o Altíssimo concede ferramentas ao Seu povo a fim de cumprir Seu plano.
Na avaliação do especialista em Liderança e Planejamento Josué Campanhã, presidente da Envisionar, organização voltada para a capacitação de líderes, está claro que a Igreja hoje é multimeios. “Portanto, é presencial, virtual e híbrida [uma mistura dos dois].” Todavia, ele afirma que diversos aspectos dessa nova “roupagem” ainda não estão completamente claros. Em sua opinião, as mudanças provocadas pela pandemia não serão definitivas. “Muitas questões devem ficar mais nítidas nos próximos dois ou três anos”, reflete.
O profissional defende que as iniciativas que estão sucedendo no modelo on-line podem não agradar totalmente a todos e devem ser substituídas pelo presencial tão logo seja possível. Em contrapartida, outras atividades que ocorriam presencialmente podem passar a ser concretizadas de maneira virtual, se as pessoas considerarem mais interessante assim. “A opção por um ou outro modelo estará ligada às características de cada geração e às necessidades pessoais. Cada um escolhe como deseja se conectar com a congregação, mas sem abrir mão dos relacionamentos.”
Campanhã considera, no entanto, que o importante não é se a atividade é presencial ou virtual, e sim como cada congregação será relevante para seus membros e para aqueles que deseja alcançar. “A igreja será muito mais capacitadora, a qual manterá a ligação com os fiéis, e não somente aquela que oferece um bom culto”, pontua, citando a abertura de um imenso leque de possibilidades para as igrejas grandes. “Entre elas, poderá alavancar as novas gerações, atingir indivíduos em lugares remotos, alcançar segmentos da sociedade que dificilmente entrariam em um templo evangélico.”
Casa do Senhor – Apesar do inegável alcance da internet, para o Pr.Davi Cáceres, líder da Igreja Batista Pedras Vivas em Vila Califórnia, na zona oeste de São Paulo (SP), existem aspectos da vida comunitária cristã que não encontram correspondente no ambiente virtual. Ele explica que Deus fez o homem à Sua imagem, como criatura relacional, e, dessa forma, a conexão entre as pessoas não atinge sua plenitude no universo on-line. “É preciso entender comunhão como participação na vida do próximo. Por isso, a reunião presencial é necessária em vários momentos.”
Ele lembra que o desenvolvimento espiritual do cristão depende do partir do pão, da instrução, do pastoreio, do cuidado mútuo e da oração. Portanto, é cético quanto ao sucesso dessas práticas quando realizadas no ambiente on-line. “O meio virtual pode dar o crescimento numérico de expectadores do culto, principalmente durante a pandemia, entretanto muitos não continuarão assíduos virtualmente quando esse momento passar”, opina.
O Pr. Lucas Manoel da Silva Souza, líder regional da Igreja Internacional da Graça de Deus (IIGD) em Varginha (MG), concorda com Cáceres. Para o ministro, estar na Casa de Deus deve ser motivo de alegria, conforme registra o Salmo 122.1: Alegrei-me quando me disseram: Vamos à Casa do SENHOR. “É importante compreender ainda que o ser humano tem necessidade de convivência, do olhar nos olhos, que gera troca de sentimentos”, pontua Lucas Manoel, destacando que o mundo virtual é apenas um entre vários canais de divulgação para a mensagem salvadora de Cristo. “A Igreja não depende de estar on-line para se expandir porque, em outras épocas, sem essas tecnologias, ela prosseguiu trabalhando e se fortalecendo. O Espírito Santo é o Responsável pelo avanço da obra.”