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Foto: Arte sobre foto de Kon Karampelasa / Pixabay

A rede do momento

Febre entre crianças e adolescentes, TikTok é motivo de grande preocupação para pais e responsáveis

POR ANA CLEIDE PACHECO

Nem Instagram, nem Facebook: a “sensação” da atualidade entre crianças e adolescentes é o TikTok. Basta abrir o aplicativo, e uma sucessão interminável de vídeos – em sua maioria com 15 segundos de duração – será exibida ininterruptamente pela tela com base nas preferências do usuário. O conteúdo é produzido e compartilhado, geralmente, pelos próprios tiktokers, como são chamados os utilizadores do app.

Lançado em 2016, na China, com o nome de Douyin, o TikTok ganhou o mundo no ano seguinte, depois de ser liberado para pessoas de outros países poderem baixá-lo. Hoje, calcula-se que tenha em torno de 800 milhões de usuários no planeta. Em dezembro de 2020, já havia ultrapassado o número de downloads do Facebook e do WhatsApp. Dessa forma, passou a liderar o ranking dos aplicativos para celular mais baixados do mundo, segundo relatório divulgado pela App Annie, empresa especializada em análises do mercado telemóvel.

Teoricamente, a idade mínima para usar o aplicativo é 12 anos. Mas, na prática, qualquer criança alfabetizada pode criar seu perfil e escolher suas preferências, já que não existe uma checagem rígida dos usuários. Queridinho entre os pequenos, estima-se que eles passem, em média, 11h mensais nessa rede social, de acordo com um relatório divulgado em 2020 pelo AppGuardian, programa de controle parental do uso de celulares.

A psicóloga Jeane Garcia recomenda: “O ideal é que os responsáveis ofereçam outras atividades a eles e, quando estiverem na internet, não os deixem sozinhos” Foto: Arquivo pessoal

A enxurrada de informações despejada sobre crianças e adolescentes por meio do TikTok é de tal modo absurda que especialistas alertam: essa garotada não tem capacidade intelectual para diferenciar bem o que é conteúdo divertido e inofensivo do que é danoso e até perverso. Ademais, a criança também se expõe a pessoas mal-intencionadas à medida que grava os próprios vídeos e os disponibiliza a outros usuários. Meninas que fazem performances de dança, por exemplo, podem atrair a atenção de predadores. E, como a rede permite a comunicação entre os usuários, menores podem ser facilmente aliciados por certos indivíduos e, assim, fornecer informações pessoais e até dados bancários de familiares.

E se já não bastassem todos esses riscos, há ainda as brincadeiras ou desafios nos quais o produtor de determinado vídeo, depois de realizar uma “façanha”, convida o espectador a repetir a experiência em casa. Algumas dessas brincadeiras se tornaram moda. Uma delas é o desafio do apagão, que consiste em colocar um cinto ou uma corda no pescoço e ficar sem respirar o tempo que conseguir. Em março, Joshua Haileyesus, um menino norte-americano de 12 anos, foi encontrado desmaiado no chão do banheiro minutos após participar da suposta brincadeira. O garoto foi encontrado pelo irmão gêmeo. Levado às pressas a um hospital, ele passou 19 dias internado em estado grave e morreu.

A Profª Natiele dos Santos Soares assevera: “Aparentemente, muitas coisas são divertidas e inofensivas, no entanto podem acarretar sérias consequências” Foto: Arquivo pessoal

Um evento semelhante havia acontecido em janeiro, na Itália. Antonella Sicomero, dez anos, fechou-se no banheiro da casa onde morava com a família para participar do desafio. Colocou um cinto ao redor do pescoço e o apertou com o objetivo de ficar sem respirar o máximo de tempo possível. Pouco depois, uma de suas irmãs, de cinco anos, encontrou-a desmaiada. Ela foi transportada imediatamente pelos pais a um hospital de Palermo, porém não sobreviveu.

Segundo a psicóloga Jeane Garcia, os pais precisam atentar para os conteúdos e o tempo que os menores ficam expostos às telas dos celulares. “Vivemos em uma geração muito visual, e aplicativos como o TikTok foram criados justamente com o fim de entreter. O ideal é que os responsáveis ofereçam outras atividades a eles e, quando estiverem na internet, não os deixem sozinhos, e sim procurem participar”, recomenda a especialista. Enfatizando a importância da supervisão parental, Garcia afirma que os responsáveis devem ter ciência do que está sendo consumido pelos filhos. “As redes sociais fazem parte da cultura contemporânea, e não há como fugir delas. O que precisa ser evitado são crianças mortas, por supostas brincadeiras, sem a supervisão de seus responsáveis”, salienta a psicóloga, membro da Igreja Lagoinha de Niterói (RJ).

A pedagoga Mônica de Paulo Duarte de Oliveira: “Se o contexto familiar não tiver uma base sólida, pautada em diálogo e confiança, essa relação acaba se dissolvendo rapidamente” Foto: Arquivo pessoal

Estreitar vínculos” – Na opinião da Profª Natiele dos Santos Soares, é fundamental os responsáveis acompanharem, de perto, tudo o que os pequenos acessam, com quem conversam e ao que assistem. “Aparentemente, muitas coisas são divertidas e inofensivas, no entanto, podem acarretar sérias consequências”, assevera a docente, membro da Assembleia de Deus Restaurando Famílias de Jardim Primavera, em Duque de Caxias (RJ).

Entretanto, exercer esse controle, em muitos casos, pode não ser tão simples. “Se o contexto familiar não tiver uma base sólida, pautada em diálogo e confiança, essa relação acaba se dissolvendo rapidamente, visto que os responsáveis perdem o controle de tudo o que é visto e produzido pela criança”, adverte a pedagoga Mônica de Paulo Duarte de Oliveira, 31 anos, da Comunidade Evangélica Habitar, no bairro Coelho, em São Gonçalo (RJ). Na opinião da especialista, quando houver algum descontrole, é essencial mudar o que for necessário para evitar danos maiores. “Acredito que o maior desafio nesses tempos é estreitar os vínculos afetivos com as crianças, de tal forma que elas se sintam seguras a ponto de dividirem conosco todos os momentos vividos dentro e fora das redes.”

Líder do ministério infantil de sua igreja, Mônica Oliveira argumenta que, por vezes, os próprios pais estimulam os filhos a usar a internet em excesso. E, segundo ela, tal quadro foi agravado pela pandemia e pelo isolamento social. A pedagoga afirma que essa superexposição à web não é recomendável e o ideal é que o tempo gasto com aparelhos eletrônicos deve ser bem demarcado e o conteúdo, sempre controlado. “Sou muito prática com relação à tecnologia. Permito que minha filha use, porém, com supervisão. Se percebo que algo está influenciando-a negativamente, não deixo que assista mais”, informa a especialista, mãe da pequena Alice, de cinco anos. “Precisamos ser firmes no que queremos para eles, educando-os, de modo que a crueldade do mundo não lhes tire o futuro que Deus projetou.”

A psicóloga clínica Gabriela Gomes Moreira de Oliveira lembra que, quando o assunto é internet, os pais devem ter consciência do que está ocorrendo para agir com sabedoria e responsabilidade Foto: Arquivo pessoal

Pensamento semelhante tem a psicóloga clínica Gabriela Gomes Moreira de Oliveira, a qual afirma que, quando o assunto é internet, os pais devem ter consciência do que está ocorrendo para agir com sabedoria e responsabilidade. “Sabemos que diversos pais utilizam esses recursos como uma forma de arrumar uma distração para seus filhos, para poderem desempenhar as atividades do dia a dia. Mas é preciso que tenham atenção”, pontua a especialista, que atua na rede infantil do Tabernáculo Apostólico Semeando Avivamento, no Fonseca, em Niterói (RJ).

A psicóloga Carla Maria Gomes Ribeiro, 47 anos, lembra a importância de entrar no mundo dos pequenos para compreender o que eles gostam e o que fazem nas redes. Além disso, os pais devem trabalhar para o acesso deles à web não virar uma rotina tão intensa a ponto de ser transformada em vício. “A rede social pode causar uma dependência, tanto em adultos quanto em crianças. Afinal, tudo o que é demais acaba se tornando nocivo. Por isso, a orientação do adulto, que precisa estar bem perto, é um balizador desses comportamentos”, orienta.

A psicóloga Carla Maria Gomes Ribeiro diz que os pais devem trabalhar para o acesso deles à web não virar uma rotina tão intensa a ponto de ser transformada em vício: “A rede social pode causar uma dependência” Foto: Arquivo pessoal

Mundo inacessível – O Pr. Carlos Roberto de Souza, da Igreja Internacional da Graça de Deus (IIGD) de Sítio Cercado, em Curitiba (PR), diz que aos pais cabe compreender que os conteúdos para crianças são normalmente criados por adultos – nem sempre bem-intencionados. Ele avalia que, em meio a muitas brincadeiras, é possível existirem outros propósitos, entre eles, o assédio. E isso vale para quaisquer conteúdos, mesmo aqueles que são apresentados por crianças. “Às vezes, por trás delas, pode haver adultos produzindo algo que não seja saudável.”

Por isso, segundo o líder, pais e responsáveis devem assistir, acompanhar, filtrar e saber se aquele tipo de conteúdo faz sentido para a criança. E esse cuidado não se resume ao caso do TikTok, mas para qualquer outro aplicativo e para a TV. “Estamos em um momento no qual, tratando-se de tecnologia, os filhos sabem mais do que seus pais”, frisa o pastor, assinalando que os menores acessam os mais diversos conteúdos na web, estão a par de tudo o que está acontecendo no ambiente virtual e assistem a tutoriais. Ou seja: vivem em um mundo não raramente inacessível aos adultos. “E os responsáveis, por acharem isso normal, não ficam atentos. Só que, em alguns casos, quando menos esperam, são surpreendidos por atitudes e comportamentos nada agradáveis dos filhos. Por isso, é importante avaliar a mensagem que está sendo transmitida.”

O Pr. Carlos Roberto de Souza diz que aos pais cabe compreender que os conteúdos para crianças são normalmente criados por adultos – nem sempre bem-intencionados Foto Arquivo pessoal

Souza acredita que a Igreja precisa se posicionar, ensinando os pais sobre os perigos do mundo virtual. Para ele, assim como as mais variadas mídias influenciam os pequenos, as comunidades cristãs devem fazer o mesmo, já que são formadoras de opinião. “É papel do Corpo de Cristo mostrar aos responsáveis, com frequência, os perigos do uso desordenado da internet, de como as famílias podem se desestruturar por causa disso.” De acordo com o líder, as professoras do ministério infantil devem estar atentas igualmente ao problema, para falarem do assunto em suas aulas, demonstrando os perigos que a rede mundial de computadores e os aplicativos podem trazer. “É fundamental explicar às crianças o lado bom e o ruim, sem radicalismo, e sim com equilíbrio. Trata-se de um trabalho em conjunto: famílias e igrejas. Dessa forma, certamente, os frutos serão bons.”


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