Comportamento
01/10/2020
Jornal das Boas-Novas – 255
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Corrigir e acolher

Como a Igreja lida hoje com a questão da disciplina entre seus membros

POR ANA CLEIDE PACHECO

A história da Igreja é permeada pelo que se convencionou chamar de disciplina eclesiástica. Em sua primeira carta aos cristãos de Corinto, Paulo os exorta a se afastarem daqueles membros envolvidos na prática do pecado: Mas, agora, escrevi que não vos associeis com aquele que, dizendo-se irmão, for devasso, ou avarento, ou idólatra, ou maldizente, ou beberrão, ou roubador; com o tal nem ainda comais (1 Co 5.11). A prática paulina foi seguida pelos reformadores. Em sua obra mais famosa, Institutas da religião cristã, o reformador francês João Calvino (1509-1564) declara que a Igreja deve disciplinar seus membros com admoestações privadas e com admoestações públicas. Calvino afirma que, se essas duas falharem, deve-se aplicar a excomunhão

Para o reformador francês João Calvino (1509-1564), a Igreja deve disciplinar seus membros com admoestações privadas e públicas Foto: Reprodução

Até décadas passadas, as igrejas evangélicas ocidentais seguiam, mais ou menos, esses padrões para com o membro que estivesse em pecado. Primeiro, era aplicada a admoestação privada; em seguida, a exortação pública, diante da congregação; em último caso, como medida extrema, poderia ser adotada a exclusão do rol da membresia. Atualmente, o assunto é tratado um pouco diferente, de acordo com um estudo realizado nos Estados Unidos pela Lifeway Research, instituto de pesquisas cristãs, sediado em Nashville, cidade do estado do Tennessee. O levantamento aponta que a maioria dos pastores norte-americanos não disciplina quem peca, em especial na área sexual. Conforme a sondagem mostra, 55% dos pastores disseram que nenhum membro havia sido disciplinado, de maneira formal, desde que assumiram a liderança da igreja. Apenas 8% relataram ter membros disciplinados no ano anterior; 5% informaram que um ou mais membros foram punidos nos últimos dois anos, mas 21% dos pastores falaram que disciplinaram alguém nos últimos três anos.

O Pr. Paulo Saraiva: “Se a comunhão entre os membros é transparente e saudável, as pessoas não tendem a esconder ou ter uma vida dupla apenas para permanecer em um grupo” Foto: Arquivo pessoal

Não existem dados sobre a realidade brasileira, mas registre-se o ponto de que o termo disciplina não significa, necessariamente, punição. O Pr. Paulo Saraiva, da Igreja Batista Novo Horizonte, em Carapicuíba (SP), explica que, de modo geral, são utilizados   hoje, nas igrejas, dois tipos de disciplina: a espiritual e a eclesiástica. A diferença entre elas é que, no primeiro caso, o membro é disciplinado no ambiente da congregação, por meio de admoestações privadas e públicas. No segundo, aquele que pecou pode ser excluído do rol dela.

Foto: freedomstudio / 123RF

Observa-se que, em muitas igrejas neste país, existe a preferência pela disciplina espiritual e se evita a exclusão, embora ambas tenham respaldo bíblico (Mt 18.15-18). “De qualquer forma, cabe lembrar que tanto a disciplina espiritual quanto a eclesiástica não devem ter como regra a exposição daquele a quem elas estão sendo aplicadas”, ressalta. Saraiva assinala que questões ligadas à sexualidade, por exemplo, deveriam ser tratadas no gabinete pastoral. “Mesmo quando tornadas públicas, a comunidade deveria ser discreta em relação às correções e ter a graça como paradigma, em vez do moralismo absoluto e cultural.” 

Para ele, o objetivo de todo o processo disciplinador deve ser produzir um coração contrito acompanhado de frutos dignos de arrependimento. “Quando a comunidade é clara acerca de sua ética, não há o que temer no momento da correção. Se a comunhão entre os membros é transparente e saudável, as pessoas não tendem a esconder-se ou ter uma vida dupla apenas para permanecer em um grupo.”

Arrependimento e conversão – A Igreja Internacional da Graça de Deus (IIGD) prefere a disciplina espiritual, com o objetivo de fortalecer os membros na Palavra. Somente aqueles que estão à frente de determinado trabalho são afastados temporariamente da função ministerial, acompanhados e auxiliados. “Procuramos ajudá-los a se levantarem na fé, para retornarem ao caminho do Senhor. Na IIGD, não praticamos exclusão de membros. Pregamos a Palavra, crendo que ela limpa os ouvintes e os leva ao arrependimento e à conversão”, sublinha o Pr. Rogério Postigo, líder estadual da Igreja da Graça no Rio de Janeiro.

A Pra. Fabiana Gomes: “Ao mesmo tempo em que não deve compactuar com o erro, a Igreja não pode entregar a pessoa ao pecado” Foto: Arquivo pessoal

A Pra. Fabiana Gomes, que lidera a IIGD no Leme, zona sul do Rio de Janeiro (RJ), acredita que qualquer disciplina deve ter o objetivo de conduzir o pecador ao arrependimento e fazê-lo voltar-se para Cristo. “Ao mesmo tempo em que não deve compactuar com o erro, a Igreja não pode entregar a pessoa ao pecado.” Assim, todo o processo deve ser feito com cautela e à luz das Escrituras. “Minha visão, como pastora, sempre será a de ganhar almas e, jamais, privar alguém da oportunidade de ouvir a Palavra. Se alguém está na prática do pecado, é porque ainda não se firmou na Verdade.” Por outro lado, aquele que está comprometido com o engano, frisa Fabiana Gomes, precisa ser afastado da obra por um tempo. “Nosso papel é orientá-lo a se acertar, para, então, poder servir.”

Na opinião do pastor auxiliar Daniel Elias Cardoso de Araújo Pinto, da Assembleia de Deus de Duque de Caxias (RJ), as maneiras de disciplina meramente punitivas necessitam ser revistas. “Existem transgressões que devem ser observadas, como o adultério, que afeta a família, causa destruição de lares e mexe com a autoestima. Mas a questão é: precisamos lidar com o pecado como seres humanos, não com o dedo em riste, acusando.”

Para o pastor auxiliar Daniel Elias Cardoso de Araújo Pinto, a Igreja deve “disciplinar, corrigir e fazer o indivíduo se sentir acolhido no seu momento de fraqueza” Foto: Divulgação

Daniel Elias defende que as lideranças tenham uma postura madura e consciente, demonstrem amor e deem o devido acompanhamento às pessoas. “Isso, sim, é disciplinar, corrigir e fazer o indivíduo se sentir acolhido no seu momento de fraqueza”, analisa, citando Hebreus 12.28: Pelo que, tendo recebido um Reino que não pode ser abalado, retenhamos a graça, pela qual sirvamos a Deus agradavelmente com reverência e piedade “É essa a função da Igreja de Cristo. Que possamos entendê-la e colocá-la em prática, ferindo menos e amando mais.” 


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