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14/11/2024PERFEITA SINTONIA
Cada vez mais evangélicos estão aliando exercícios físicos ao cuidado da mente e do espírito
Por Marcelo Santos
Em um mundo bastante acelerado e marcado pelas pressões da vida moderna, encontrar o equilíbrio entre corpo e espírito se torna não apenas desejável, mas também essencial. Para manter a paz em meio a tanta pressa e ao estresse diário, os evangélicos costumam recorrer à leitura da Palavra, à oração e à comunhão com os irmãos na igreja.
No entanto, muitos crentes em Jesus também se dedicam ao exercício e cuidado do corpo com base nas recomendações do apóstolo Paulo registradas em sua primeira carta aos Coríntios: Ou não sabeis que o nosso corpo é o templo do Espírito Santo, que habita em vós, proveniente de Deus, e que não sois de vós mesmos? Porque fostes comprados por bom preço; glorificai, pois, a Deus no vosso corpo e no vosso espírito, os quais pertencem a Deus (1 Co 6.19,20).
O Pr. Elder Cavalcante, líder estadual da Igreja Internacional da Graça de Deus (IIGD) no Rio Grande do Norte (RN), ressalta: “A prática de exercício físico e a saúde espiritual devem andar juntas”. Ele fundamenta essa afirmação na passagem de Romanos 12.1,2: Rogo-vos, pois, irmãos, pela compaixão de Deus, que apresenteis o vosso corpo em sacrifício vivo, santo e agradável a Deus, que é o vosso culto racional. E não vos conformeis com este mundo, mas transformai-vos pela renovação do vosso entendimento, para que experimenteis qual seja a boa, agradável e perfeita vontade de Deus. “A Bíblia nos ensina que nosso corpo deve ter vida, e a atividade física é uma forma de promover vitalidade.”
Aos 40 anos, Cavalcante compartilha como sua perspectiva sobre exercícios mudou radicalmente após enfrentar um quadro de pré-diabetes e obesidade. “Eu mal conseguia levantar os joelhos do chão, e caminhar era uma dificuldade. Foi então que o texto de Romanos, capítulo 12, versículos 1 e 2, ressoou em meu coração: o apóstolo Paulo ensina que, para experimentar a boa, perfeita e agradável vontade de Deus, devemos cuidar do corpo como um culto racional”, observa.
O pastor diz que seguiu à risca exemplos e conselhos inspiradores vindos de dentro da Igreja da Graça. “Temos o Missionário R. R. Soares e o Pr. Jayme de Amorim Campos, que constantemente nos incentivam a praticar atividades físicas. O Missionário chega a correr até 23 km, e o Pr. Jayme participa ativamente de corridas e caminhadas. Nossos líderes demonstram essa consciência e a transmitem aos demais ministros, o que é motivo de grande gratidão a Deus”, ressalta Elder Cavalcante. [Leia, no final desta reportagem, o quadro Conexão antiga]
Domínio próprio – Em São Paulo (SP), o educador físico Fernando Guerreiro, 35 anos, criou o plano de treinamento Holy Flow, o qual, segundo ele, já atendeu mais de dez mil pessoas desde 2015, no Parque Ibirapuera, zona sul da capital paulista. “Desenvolvemos um método com base na Bíblia, a fim de despertar e potencializar os indivíduos”, conta ele, esclarecendo que a ideia é transformar a atividade física em um meio de alegria e desenvolvimento do domínio próprio — uma parte do fruto do Espírito mencionado na carta de Paulo aos Gálatas (Gl 5.23).
O programa ganhou tanto destaque no mercado fitness que, atualmente, Guerreiro viaja pelo Brasil ministrando palestras e auxiliando igrejas a reconhecer a importância do exercício físico. Ele utiliza a experiência como personal trainer para levar os participantes do Holy Flow a um encontro com Jesus, ao mesmo tempo em que promove saúde e bem-estar. “A atividade física é uma forma de adoração”, afirma o profissional, destacando que o objetivo do projeto é unir treino físico e crescimento espiritual.
Apaixonado por esportes desde a infância, Fernando Guerreiro se formou em Educação Física com a intenção de trabalhar na área. No entanto, viveu uma terrível crise em 2011 e 2012, quando enfrentou sérios desafios pessoais e espirituais, incluindo a dependência de drogas. “Estava vivendo um momento de trevas, sem saber quem era Jesus”, relembra-se. Em meio àquele turbilhão de problemas, o Espírito Santo o tocou de maneira sobrenatural e mudou a trajetória dele. Desde então, o educador físico se tornou um agente de bem-estar e transformação. “Testemunho milagres, como curas de doenças ou pessoas com limitações físicas que apresentam melhora enquanto treinam seguindo o método Holy Flow”, afirma o membro da Igreja Zion Church, na zona oeste paulistana.
Físico e espírito – Com 16 anos de experiência, o professor de Educação FísicaAlan Marcel Gouvêa, 43 anos, não tem dúvida de que há uma relação intrínseca entre crescimento espiritual e bem-estar físico. Por esse motivo, ele combina suas caminhadas com muita oração para organizar os pensamentos e sentir a presença de Deus.
Na Igreja Quadrangular de Vila Esperança, na zona leste de São Paulo (SP), Gouvêa criou uma equipe de jiu-jítsu que uniu crianças, adolescentes, adultos e pessoas em situação de rua. “Durante as aulas, compartilhamos a Palavra de Deus, oferecemos apoio emocional e construímos amizades autênticas”, relata o membro da Igreja Casa da Rocha Tatuapé, na zona leste paulistana.
O prof. Alan lamenta que exista, entre alguns evangélicos, certa resistência – em alguns casos, até preconceito – quanto a exercitar o corpo. Porém, assegura que a Bíblia Sagrada não condena a atividade física e a prática esportiva. “Pelo contrário, as Escrituras incentivam”, afirma Gouvêa, citando os textos nos quais o apóstolo Paulo fala acerca da disciplina atlética (2 Tm 4.7 e 1 Co 9.24,27).
Entretanto, vem ganhando força entre os cristãos a ideia de que é preciso cuidar do corpo como templo do Espírito. Foi o que decidiu fazer a coordenadora pedagógica Cristiane Aparecida Lopes Braga, 50 anos. Um dia, ela percebeu que o excesso de peso estava limitando suas atividades diárias e causando problemas de saúde. “Cuidar do corpo é um ato de amor-próprio diretamente relacionado ao meu crescimento espiritual.”
Inspirada nos ensinamentos registrados no Livro Sagrado, ela iniciou uma jornada de transformação com ajuda do Prof. Alan Gouvêa. Durante as aulas praticadas ao ar livre, Cristiane perdeu 16 kg, reduziu a ansiedade e se conectou profundamente com a fé. “Nossos treinos no parque foram muito mais do que apenas exercícios: foram momentos de reflexão e fortalecimento espiritual”, relata ela, explicando que as caminhadas se tornaram oportunidades para meditar, orar e refletir sobre os valores cristãos, harmonizando o corpo, a mente e o espírito.
Integração inovadora – No Rio de Janeiro, o Exercita Graça, um projeto ligado à Igreja Internacional da Graça de Deus (IIGD) que conta com o apoio do deputado estadual Filipe Soares (União-RJ) e do deputado federal Marcos Soares (União-RJ), tem incentivado as pessoas a cuidar de si mesmas. O programa, que faz parte do ministério Graça em Ação e tem promovido uma integração inovadora entre saúde e fé, começou no shopping Tem Tudo, em Madureira, na zona norte do Rio de Janeiro. Entretanto, devido à grande procura, expandiu-se: está presente na Cidade de Deus, bairro na zona oeste carioca, e em municípios da Baixada Fluminense, como Belford Roxo, Nova Iguaçu, Queimados e, em breve, passará a funcionar em Duque de Caxias. “O Exercita Graça foi concebido para levar saúde à comunidade”, explica Gilson de Souza de Jesus, 50 anos, responsável pelo Graça em Ação.
Segundo ele, o projeto oferece sessões gratuitas de exercícios físicos com a supervisão de profissionais qualificados. Cada aula começa com um alongamento conduzido por um educador físico, seguido por um treino planejado e variado. “Há ainda acompanhamento médico e nutricional para garantir a saúde dos participantes”, enfatiza, explicando que as atividades são realizadas principalmente nas instalações das igrejas, proporcionando um ambiente que combina segurança e acolhimento espiritual.
De acordo com Gilson de Jesus, o Exercita Graça é aberto a todos e conta com a participação de um público de diferentes faixas etárias, desde jovens adultos até idosos. “Em Duque de Caxias, as atividades serão em um local diferente, fora da Igreja”. Ele acrescenta que o programa não se limita a promover saúde física: “Busca fomentar também o bem-estar espiritual e a coesão comunitária. É uma forma de integrar a fé à prática física, ajudando as pessoas a melhorar a vida delas”.
A professora de Educação Física Renata Silva Braga Cruz Porto, 43 anos, que atua no programa Exercita Graça, considera que se exercitar vai além da questão estética. “Atualmente, as mulheres veem o exercício físico não apenas como um meio para melhorar a aparência, mas também para elevar a autoestima, aumentar a energia, melhorar a flexibilidade e fortalecer os músculos”, enumera ela, indicando que os treinos terminam com uma mensagem inspiradora. “Sempre finalizamos as aulas com uma palavra de fé e esperança”, diz a educadora, que frequenta a Igreja Vida Nova em Irajá, zona norte do Rio de Janeiro (RJ).
Renata Porto acredita que o Exercita Graça tem contribuído para que pessoas deixem o sedentarismo e o desânimo para trás por meio da fé. Citando 1 Coríntios 3.16,17 (Não sabeis vós que sois o templo de Deus e que o Espírito de Deus habita em vós? Se alguém destruir o templo de Deus, Deus o destruirá; porque o templo de Deus, que sois vós, é santo), ela esclarece que o exercício físico é incentivado na Bíblia. “Se Deus habita em nós, precisamos cuidar do espírito e do corpo físico. Exercitar-se é uma forma de manter a saúde e respeitar o templo que Ele nos confiou”, finaliza.
CONEXÃO ANTIGA
No artigo Associação entre atitude física e religião: da origem à atualidade, o teólogo Alexandre Nascimento, mestre em Ciência do Movimento Humano, e o graduando em Educação Física pela Faculdade de Santa Catarina (FASC), Gabriel Sena Nascimento, lembram que a conexão entre atividade física e religião possui raízes profundas na história humana.
Segundo os autores, antigas práticas, como a caça e os rituais de guerra, integravam elementos religiosos. Na Grécia Antiga (foto ilustrativa), um corpo belo e forte era visto como forma de se aproximar dos deuses. Com a ascensão do cristianismo, sobretudo com o domínio da Igreja Católica Romana na Idade Média, as atividades físicas foram desacreditadas como uma ameaça ao foco espiritual e à salvação da alma.
O Renascimento, ocorrido entre os séculos 14 e 17, marcou um período de grande transformação cultural e intelectual na Europa. Esse movimento foi caracterizado pela redescoberta e reavaliação dos valores da Antiguidade clássica, incluindo um interesse renovado pela Ciência, Arte e Educação Física. Naquela época, houve uma ênfase na importância da educação corporal e na pesquisa sobre a saúde, refletindo uma nova valorização da atividade física e do bem-estar. Contudo, apesar dos avanços desse período, persistiu a separação entre prática física e religião.
Atualmente, a realidade é outra. Muitas instituições religiosas, incluindo igrejas evangélicas, reconhecem o valor da atividade física, promovendo práticas esportivas e exercícios físicos como parte integral de seus ministérios e pregando valores, como disciplina e perseverança.
(Fonte: Unitas – Revista Eletrônica de Teologia e Ciências das Religiões)