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31/07/2024Além dos números
Pastores e especialistas discutem dados do IBGE que apontam a existência de mais templos religiosos do que de escolas e hospitais no Brasil
Por Evandro Teixeira
Pela primeira vez na história, o Censo 2022, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), fez um mapeamento de todos os estabelecimentos existentes no território nacional. Após a divulgação dos dados no primeiro semestre deste ano, de tudo o que foi verificado pelos recenseadores, o que mais chamou a atenção da imprensa nacional foi que o contingente de igrejas e templos religiosos excede o de unidades de saúde e estabelecimentos de ensino. Brasil tem mais templos religiosos do que escolas e hospitais foi a manchete de diversos veículos e portais de notícias. De acordo com o IBGE, dos 111 milhões de estabelecimentos pesquisados, 579,7 mil tinham finalidade religiosa, ou seja, funcionavam como templos e igrejas. O número, segundo o mapeamento, é maior que o de espaços ocupados por escolas, creches e universidades (264,4 mil) e hospitais, clínicas e prontos-socorros (247 mil) juntos.
O Prof. Matheus Cavalcanti Pestana, que leciona Introdução à Ciência de Dados da Escola de Comunicação, Mídia e Informação da Fundação Getúlio Vargas (FGV-ECMI), reconhece a importância do levantamento, por permitir uma melhor compreensão da realidade brasileira, possibilitando a formulação de políticas públicas mais assertivas. Mestre e doutorando em Ciência Política pelo Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (IESP-UERJ), Matheus Pestana entende que focar na destinação dos imóveis não seja o caminho mais coerente. Ao destacar os números, as reportagens sinalizam que há igrejas em demasia e hospitais e escolas de menos, o que, na visão do educador, revela algum grau de preconceito religioso.
Segundo Pestana, isso fica evidente quando existe uma tentativa de construir a ideia de que o problema do Brasil é a religião, usando como argumento o fato de existirem mais estabelecimentos destinados às práticas religiosas do que escolas e hospitais. No fundo, observa ele, tal comparação visa propagandear a lógica de que a fé é alienante e que as unidades de ensino seriam um contraponto a essa tendência. “Trata-se de um raciocínio errado e falacioso, pois leva a entender que ter menos igrejas equivale a ter mais escolas, o que não é verdade.”
Pestana pontua que a sociedade brasileira é laica e que sua pluralidade religiosa precisa ser respeitada. Ele reconhece o crescimento do segmento evangélico no país, mas aponta que essa constatação não está associada necessariamente ao número de estabelecimentos religiosos – o levantamento feito pelo IBGE não registrou a confissão à qual cada um dos imóveis mapeados está vinculado, o que seria um dado extremante relevante. Além disso, ele reafirma a importância da tolerância. “Por haver liberdade de crença no país, todas as religiões devem ser respeitadas”, defende.
Pensamento semelhante tem o Prof. Magno Paganelli, doutor em História Social e mestre em Ciências da Religião. Ao comentar os dados do IBGE, ele destaca o fato de o mapeamento focar na destinação final dos estabelecimentos, e não na sua administração. “Embora não tenha sido feito esse registro, provavelmente, na lista de escolas e hospitais pesquisados, pode haver imóveis sob direção evangélica ou católica. Esse dado relevante mostraria, por exemplo, como as numerosas igrejas estão impactando a sociedade”, argumenta, indicando que, por colocar em relevo apenas a atividade-fim das construções, esse levantamento traz à opinião pública uma visão superficial. “A atividade de muitas comunidades cristãs não se resume a cultos e reuniões de celebração. Os espaços do templo servem também para educar, socializar e cuidar”, pondera.
Análise precipitada – Por outro lado, a teóloga Glair Alonso Arruda, mestre e doutora em Ciências da Religião, acredita que há uma correlação direta entre o resultado do mapeamento de estabelecimentos feito pelo IBGE e o crescimento do Evangelho no Brasil. Segundo a estudiosa, a grande oferta de comunidades religiosas se reflete na revolução cultural que vem se desenvolvendo nas últimas décadas no país e que tem pautado comportamentos. “Por isso, as pessoas se sentem mais livres para escolher o caminho religioso que melhor atenda às expectativas individuais.” Segundo ela, essa demanda, por consequência, produz maior oferta de serviços e produtos religiosos, um movimento que explicaria o aumento do número de templos e serviços.
A especialista entende que as comunidades evangélicas representam um espaço disponível para quem busca o cultivo da fé. Por isso, é um erro compará-las a hospitais e escolas, que são prédios essenciais de responsabilidade do poder público. “A igreja não deve ser constrangida por se destacar estatisticamente. O que deveria gerar indignação é a pouca quantidade de escolas e hospitais públicos, em um claro sinal de ausência de políticas do Estado”, pontua.
As lacunas deixadas pelo governo municipal, estadual ou federal em certas áreas urbanas favorecem a atuação da igreja, observa o Pr. Gilberto Corrêa de Andrade, líder da Assembleia de Deus em Presidente Prudente (SP). Ele enfatiza que a missão principal das igrejas é a promoção do Reino de Deus, mas elas também desenvolvem projetos voltados para o ensino, serviço social e a profissionalização, atendendo a setores vitais. Segundo ele, se as pessoas olharem para os dados do IBGE sem ponderá-los, haverá uma análise precipitada dos números. Por trás deles, afirma o pastor assembleiano, há trabalhos e conquistas sociais de muitos ministérios, graças ao empenho e às contribuições de seus membros. “A Igreja, ao desenvolver e manter seus projetos, usa recursos privados, enquanto o Estado, ao construir escolas e hospitais, depende dos cofres públicos.”
Outras finalidades – A Pra. Ana Lúcia Moreira Rodrigues, da Igreja do Evangelho Quadrangular em Santa Eugênia, Nova Iguaçu (RJ), afirma que há mais um problema quando compara o número de igrejas e de hospitais: as despesas de construção são bem diferentes. A ministra lembra que erguer um hospital requer muito mais recursos do que um templo. Além disso, os custos de manutenção de igrejas e hospitais são distintos. “Um templo religioso requer bem menos pessoal do que uma unidade de saúde”, informa a pastora, chamando a atenção para a função social das comunidades de fé. O resultado dessa atuação não entra nos números divulgados pelo IBGE: “Por parte de alguns grupos, não há interesse em entender o funcionamento da Igreja e o objetivo de suas ações.”
Mestre e doutor em Ciências da Religião e líder regional da Igreja Internacional da Graça de Deus (IIGD) em Tancredo Neves (AM), o Pr. Elton Eduardo Paz de Araújo tem opinião semelhante à da pastora Ana Lúcia Rodrigues. Ele observa que as igrejas têm de aprender a lidar com o preconceito de alguns segmentos. Para o pastor, as comunidades cristãs sempre enfrentarão problemas dessa natureza. Por isso, precisam ser transparentes em sua comunicação. Ele diz ainda que as igrejas necessitam demonstrar compromisso com a Palavra e estar abertas ao diálogo, servindo à sua comunidade, a fim de reduzir o preconceito. “Mediante uma conversa franca, é possível desfazer equívocos e promover o entendimento mútuo”, sugere.
Na opinião do Pr. Marcelo Alexandre Modesto Pereira, líder da Igreja da Graça em Ouro Fino (MG), as comunidades cristãs podem atuar em outras frentes, oferecendo assistência e serviços sociais, mas não devem perder o foco da missão de pregar o Reino de Deus. Para ele, a mensagem do Evangelho é poderosa, capaz de levar as pessoas a ser livres de doenças e problemas espirituais, diminuindo até mesmo a demanda nos hospitais. “Sendo agente de propagação da Palavra, a Igreja sempre terá um papel fundamental na sociedade”, salienta.
No entender do Pr. Joel Aparecido Ferreira do Nascimento, líder da IIGD em Campo Belo (MG), apesar de tudo, a Igreja deve seguir o seguinte conselho bíblico: Olhando para Jesus, autor e consumador da fé, o qual, pelo gozo que lhe estava proposto, suportou a cruz, desprezando a afronta, e assentou-se à destra do trono de Deus [Hb 12.2]. “Devemos continuar crescendo sem levar em conta os interesses de quem não pensa na expansão do Reino”, conclui.