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Capa | Sociedade

Hungry Woman Peeking Out Of Table Starving To Eat Donut, Yellow Background With Copy Space

Foto: Prostock-studio / Adobe Stock

Além do prato

Quando a comida deixa de ser o que nutre e se torna um desafio a ser vencido

Por Ana Cleide Pacheco

Comer não apenas para saciar a fome, mas também para liberar a ansiedade e se esquecer dos problemas. Nessa busca, doces, petiscos e outras guloseimas são as escolhas preferidas pela maioria. Entretanto, quando a pessoa percebe, já está com a saúde comprometida. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), atualmente, mais da metade da população brasileira (56,8%) está com excesso de peso, considerando a soma de habitantes com sobrepeso (quando o índice de massa corporal, o IMC, é igual ou maior do que 25) e obesos (IMC maior que 30).

O consumo indiscriminado de alimentos ultraprocessados – refrigerantes, biscoitos, pães industrializados, carnes processadas e salgadinhos de pacote –, pobres em nutrientes e ricos em gorduras, sódio e açúcares, aliado à redução do consumo de alimentos in natura e da prática de exercícios físicos causaram essa epidemia de ganho de peso, abrindo caminho para problemas graves, como hipertensão, diabetes, alterações do colesterol, sobrecarga das articulações.

A engenheira elétrica Naiele Lyra da Conceição, 24 anos, sentiu na pele o quanto uma alimentação desbalanceada pode ser prejudicial. Sua agenda cheia fez com que ela descuidasse da qualidade dos alimentos: saladas, frutas, proteínas saudáveis e o arroz com feijão foram substituídos por hambúrgueres e salgadinhos. “Eu me formei em dezembro de 2021. Um período bastante corrido, pois estava terminando meu trabalho de conclusão de curso, e ainda vivíamos os traumas da pandemia”, relata.

A engenheira elétrica Naiele Lyra da Conceição sentiu na pele o quanto uma alimentação desbalanceada pode ser prejudicial, mas aprendeu a lição: “Somos corpo, alma e espírito, e essas esferas precisam ser cuidadas, para vivermos o propósito divino” Foto: Arquivo pessoal

Segundo ela, o estresse – gerado pelo acúmulo de tarefas e pelas incertezas daquele momento – aliado à má alimentação a fizeram perder 50% das hemácias, causando uma anemia grave. “O sangue não conseguia transportar oxigênio para o corpo. Devido a isso, fiquei uma semana internada sob observação. É um milagre eu estar viva”, lembra-se Naiele, que reconhece a negligência com a própria saúde. “Apesar de o Espírito Santo ter me avisado, não parei para escutá-Lo. Precisei arcar com as consequências, mas aprendi a lição.”

Depois de receber alta do hospital, Naiele refez seu caminho: procurou uma nutricionista e começou a praticar atividades físicas. Hoje ela prioriza a saúde, mantendo uma boa alimentação e fazendo exercícios, mas não deixa de cuidar do emocional e espiritual. “Somos corpo, alma e espírito, e essas esferas precisam ser cuidadas, para vivermos o propósito divino”, assegura a engenheira, obreira na Igreja Internacional da Graça de Deus (IIGD) na Taquara 1, na zona oeste do Rio de Janeiro (RJ).

Apetite desordenado – As escolhas alimentares podem refletir questões de ordem espiritual, segundo a Palavra. A glutonaria é tratada nas Escrituras Sagradas como um pecado a ser vencido pelo cristão. Escrevendo aos gálatas, o apóstolo Paulo ensina: Porque as obras da carne são manifestas, as quais são: prostituição, impureza, lascívia, idolatria, feitiçarias, inimizades, porfias, emulações, iras, pelejas, dissensões, heresias, invejas, homicídios, bebedices, glutonarias e coisas semelhantes a estas, acerca das quais vos declaro, como já antes vos disse, que os que cometem tais coisas não herdarão o Reino de Deus (Gl 5.19-21). Aos colossenses, Paulo alerta: Mortificai, pois, os vossos membros que estão sobre a terra: a prostituição, a impureza, o apetite desordenado, a vil concupiscência e a avareza, que é idolatria; pelas quais coisas vem a ira de Deus sobre os filhos da desobediência (Cl 3.5,6).

De acordo com a jornalista e nutricionista Valdirene Fatima Gamero, 50 anos, existe uma linha tênue entre gula e compulsão alimentar, e entre doença mental, magreza e obesidade. “O que poucos sabem é que, de acordo com estudos científicos, a taxa de morte entre pessoas com transtornos alimentares é uma das mais altas com relação a todas as doenças psiquiátricas”, adverte.

A jornalista e nutricionista Valdirene Fatima Gamero adverte: “A taxa de morte entre pessoas com transtornos alimentares é uma das mais altas com relação a todas as doenças psiquiátricas” Foto: Arquivo pessoal

Portanto, identificar a origem desse distúrbio é essencial. Em alguns casos, a comilança requer uma abordagem espiritual; em outras situações, quando se trata de uma doença, necessita de acompanhamento profissional. A nutricionista Lyandra de Medeiros Pereira, 28 anos, esclarece que o indivíduo compulsivo come de maneira exagerada mesmo sem ter fome, como se o mastigar trouxesse algum alívio para suas dores emocionais – e isso ocorre, muitas vezes, de modo inconsciente.

A nutricionista Lyandra de Medeiros Pereira esclarece que o indivíduo compulsivo come de maneira exagerada mesmo sem ter fome, como se o mastigar trouxesse algum alívio para suas dores emocionais Foto: Arquivo pessoal

De acordo com Lyandra, a gula reflete a falta de domínio próprio ou temperança, que é um aspecto do fruto do Espírito Santo (Gl 5.22). “Deus nos deu coisas boas para serem desfrutadas moderadamente. Quando nos deixamos dominar pela glutonaria, a comida se torna um ídolo”, explica a especialista, membro da Assembleia de Deus Ministério A Pedra da Ligação, em Iguaba Grande (RJ).

Na opinião da nutricionista Monique Santos Seguracio Teixeira, 28 anos, membro da IIGD na Taquara 2, na zona oeste carioca, a gula está associada ao desejo de comer mais do que o necessário, geralmente por prazer. Já no transtorno compulsivo alimentar, come-se para aliviar um sofrimento afetivo. “Nesse caso, o indivíduo pode preferir comer escondido, para que outros não vejam que ele está vivenciando uma dor emocional. Porém, quando passa esse episódio, acaba se sentindo pior, culpado e envergonhado.”

A nutricionista Monique Santos Seguracio Teixeira lembra que a gula está associada ao desejo de comer mais do que o necessário, geralmente por prazer Foto: Arquivo pessoal

Equilíbrio em Deus” – A Pra. Mônica Terrigno Macedo de Souza, 46 anos, da Igreja da Graça em Mesquita (RJ), relata que a glutonaria não é um pecado cometido apenas por obesos: permeia a sociedade de forma traiçoeira. “Comer exageradamente não acende mais o sinal de alerta nas pessoas. Entendo que o mundo não tem dado importância a esse assunto. É tão habitual que ninguém percebe.”

Foto: Arquivo Graça / Solmar Garcia

Segundo a líder, acostumadas aos exageros alimentares, as pessoas, inclusive cristãs, não conseguem notar os sinais emitidos pelo corpo de que atingiu a plena satisfação do apetite. “Isso está sendo substituído pelo ‘Quero mais’. Muitos comem pelo cheiro, pela beleza… Comem com os olhos, sem usar o termômetro da saciedade.”

Para Mônica Terrigno, esse fenômeno é típico da vida moderna. “Com a falta de autocontrole, muitos estão cavando a própria sepultura com seus próprios dentes. O garfo, a faca, a colher se tornaram armas perigosas em nossa geração. Todos nós devemos nos examinar para ver se estamos comendo para a glória de Deus”, conclama a líder, referindo-se às palavras de Paulo aos coríntios: Portanto, quer comais, quer bebais ou façais outra qualquer coisa, fazei tudo para a glória de Deus (1 Co 10.31).“Que sejamos obedientes à Palavra”, aconselha.

A nutricionista clínica e esportiva Júlia Barbosa Vaz, 26 anos, que também congrega na IIGD na Taquara 1, na zona oeste carioca, acredita que, para vencer a gula, o cristão precisa ser honesto com Deus e examinar se há, dentro de si, um desejo descontrolado por comida. De acordo com a especialista, pode ser necessário procurar ajuda médica para fazer um check-up. “Há alterações hormonais ou estados psicológicos que afetam o apetite, gerando distúrbios alimentares”, alerta.

A nutricionista clínica e esportiva Júlia Barbosa Vaz alerta: “Há alterações hormonais ou estados psicológicos que afetam o apetite, gerando distúrbios alimentares” Foto: Arquivo pessoal

Na visão de Júlia Vaz, o cristão que está se alimentando de maneira desregrada precisa se esforçar para identificar esse problema. “Notamos e reagimos melhor perante grandes montanhas, e não diante de pequenas pedras. Mas é nessas pedrinhas que tropeçamos. Assumir o erro e buscar o equilíbrio em Deus é o melhor caminho. Afinal, precisamos nos voltar com fé para Jesus e para a Sua Palavra”, orienta.


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