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Foto: PxHere

No lugar certo

Especialistas e pastores explicam por que a desorganização pode gerar estresse e comprometer até o relacionamento com Deus

Por Ana Cleide Pacheco

Ao passar por uma vinha malcuidada, enquanto os lavradores cochilavam, o rei Salomão observou: E eis que toda estava cheia de cardos, e a sua superfície, coberta de urtigas, e a sua parede de pedra estava derribada (Pv 24.31). Diante da cena, ele concluiu que tamanho desleixo não traria boas consequências: Assim sobrevirá a tua pobreza como um ladrão, e a tua necessidade, como um homem armado, sentenciou o rei de Israel (Pv 24.34). Ele deixou claro que quem recebe algo para cuidar deve fazê-lo com zelo, pois a preguiça cobra um preço alto.

A psicanalista Sandra Lopes da Silva Soares explica por que o descuido com a organização doméstica aumenta os níveis de estresse: diante desse quadro, as pessoas não se sentem donas de seu tempo e de seus pertences
Foto: Arquivo pessoal

Esse princípio salomônico se aplica às diversas esferas da vida, inclusive ao cuidado com a própria casa, como demonstrou uma pesquisa realizada recentemente nos Estados Unidos. De acordo com o estudo, desenvolvido pela Universidade da Califórnia, uma residência desarrumada, com móveis fora do lugar e objetos espalhados, pode gerar estresse, mau humor e ansiedade. O levantamento, denominado Life at Home in the 21st Century (Vida no lar no século 21, em tradução livre), reuniu 30 casais com filhos para analisar a saúde deles de acordo com o nível de organização, ou a falta dela, em casa. Os que viviam em ambientes sujos e bagunçados apresentaram, ao longo do dia, níveis mais altos e permanentes de cortisol (hormônio do estresse), principalmente as mulheres. Já para aqueles que afirmaram não notar a desordem – grupo formado majoritariamente por homens –, os níveis do hormônio caíam com o passar das horas. [Leia, no final desta reportagem, o quadro Cultivando a organização]

O psiquiatra Leonard Verea afirma: “A organização doméstica deve ser considerada essencial para que o indivíduo tenha uma vida de qualidade”
Foto: Arquivo pessoal

A psicanalista Sandra Lopes da Silva Soares, 43 anos, explica por que o descuido com a organização doméstica aumenta os níveis de estresse. Segundo ela, diante desse quadro, as pessoas não se sentem donas de seu tempo e de seus pertences. “Poucos sabem, mas uma gaveta arrumada ou não diz muito sobre nós”, afirma a especialista, destacando que esse pequeno espaço reflete a vida, ainda que em menor proporção. “Quanto mais desorganizado, mais perdido e desconcentrado eu fico, o que gera desordens emocionais. Essas, por sua vez, causam transtornos, como ansiedade, depressão e até compulsão”, explica a especialista, membro da Igreja Batista da Libertação, no bairro Estação, em São Pedro da Aldeia (RJ).

Qualidade de vida – O psiquiatra Leonard Verea, 69 anos, explica que a casa é o reflexo de quem vive nela. De acordo com ele, a falta de organização, certamente, causará transtornos e problemas de saúde. “Cada coisa no seu lugar e um lugar para cada coisa. Em minha casa, por exemplo, tenho livros, materiais e uma série de objetos que uso no dia a dia. Então, preciso ter um espaço apropriado para guardar tudo isso. Caso contrário, viverei no meio do caos.”

A Pra. Bertha Carolina Santana afirma que a organização precisa ser ensinada às crianças diariamente: “Vai exigir dedicação”
Foto: Arquivo pessoal

Para o médico, em uma residência organizada, onde cada grupo de itens – roupas, calçados, livros e utensílios variados – permanece arrumado em dado lugar, estabelece-se uma estrutura que ajuda as pessoas a viverem com um bem-estar maior. Por outro lado, ele lembra que a qualidade de vida dos habitantes do lar pode ser prejudicada pela desorganização. “Acumulamos tensão permanentemente, e ela precisa ser eliminada. Se não conseguimos fazer isso de forma natural, por meio de uma rotina equilibrada, que inclua alimentação, atividades físicas e ambientes salubres, o alívio ocorrerá por meio de válvulas de escape”, informa o psiquiatra, citando como exemplo de fuga a compulsão alimentar. “Por isso, a organização doméstica deve ser considerada essencial, para que o indivíduo tenha uma vida de qualidade”, acrescenta.

Os especialistas afirmam que o lar é um lugar essencial, porque ali a pessoa se sente à vontade; é onde estão aqueles que ela ama e onde encontra refúgio e paz para descansar. Por essa razão, manter esse ambiente limpo e organizado é fundamental para todos, principalmente para os que têm filhos pequenos, afirma a Pra. Bertha Carolina Santana, 30 anos, da Igreja Águas Profundas, no bairro da Rasa, em Armação dos Búzios (RJ). Para ela, a organização precisa ser ensinada às crianças diariamente. “Vai exigir dedicação”, avisa a ministra. “Quando Deus deu orientações a Moisés para que repassasse ao povo, disse que eles ensinariam aos filhos no caminho, ou seja, junto com eles”, pontua a pregadora, citando Deuteronômio 6.6,7.

A administradora de empresas Ívina Corrêa Salviano Lima assinala: “Para que desenvolvam o hábito de pôr as coisas em ordem, é necessário que o ambiente em que vivem seja ordenado”
Foto: Arquivo pessoal

A administradora de empresas Ívina Corrêa Salviano Lima, 39 anos, concorda com a Pra. Bertha. “Para que desenvolvam o hábito de pôr as coisas em ordem, é necessário que o ambiente em que vivem seja ordenado.” Assim, de acordo com Ívina, é menos trabalhoso ensinar às crianças a arrumarem as próprias coisas em uma casa onde já existe organização. “Se, desde pequenas, elas aprenderem a guardar seus pertences, crescerão com esse hábito. Isso irá se refletir em suas vidas no futuro”, defende a líder estadual do Mulheres Que Vencem (MQV) da Igreja Internacional da Graça de Deus (IIGD) no Amazonas.

“Bons hábitos” – A Bíblia apresenta uma reflexão sobre organização na parábola da dracma perdida (Lc 15.8-10). Na narrativa, uma mulher perde uma moeda valiosa, que representava um dia de trabalho. Para achá-la, ela faz uma verdadeira faxina na casa. Na verdade, Jesus estava ensinando que Deus procura e encontra o homem em meio ao pecado, comparando-o à dracma perdida, de grande valor. No entanto, aplicando essa história ao dia a dia, pode-se entender que, para encontrar o que é valioso – a vida abundante e saudável –, também é preciso ter organização. Quando aquela mulher achou a dracma perdida, reuniu os vizinhos para celebrar, tamanha foi a sua alegria.

A Pra. Luana Costa de Andrade (na foto, com a família) afirma: “A organização é primordial na caminhada espiritual. Uma casa e uma vida organizadas se refletem em bons hábitos”
Foto: Arquivo pessoal

Na opinião da Pra. Luana Costa de Andrade, 39 anos, da Comunidade Cristã Apascentar Kadosh, em Porto da Aldeia, São Pedro da Aldeia (RJ), organizar-se proporciona leveza, alegria e a felicidade de poder compartilhar com outras pessoas a plenitude da existência com Cristo. “A organização é primordial na caminhada espiritual. Uma casa e uma vida organizadas se refletem em bons hábitos”, afirma a líder, assinalando que essa rotina inclui tempo de qualidade com a família, cultos domésticos diários e momentos de comunhão entre pais e filhos. “O evangelista norte-americano Billy Graham disse que somos a Bíblia que o mundo está lendo e os sermões a que o mundo está prestando atenção. Acredito, verdadeiramente, que isso é real e começa no lar.”

A psicóloga Kássia Fagundes das Chagas Moreira, 33 anos, endossa a opinião da Pra. Luana Andrade, lembrando que o planejamento e a agenda geram qualidade de vida e harmonia, com reflexo direto na espiritualidade. “A rotina é o melhor caminho para as famílias e os lares. Em uma sociedade na qual ouvimos que os casamentos acabam quando caem na rotina, prego o contrário”, informa a especialista, defendendo que a programação fortalece a estrutura do lar.

A psicóloga Kássia Fagundes das Chagas Moreira informa: “A rotina é o melhor caminho para as famílias e os lares. Em uma sociedade na qual ouvimos que os casamentos acabam quando caem na rotina, prego o contrário”
Foto: Arquivo pessoal

Membro da Assembleia de Deus Ministério Ebenézer, em Araruama (RJ), Kássia reconhece e valoriza a espontaneidade. No entanto, a psicóloga enfatiza que a família deve se planejar, criando datas específicas, como dias de jogos, do casal, de visita aos avós. Ela salienta que reservar momentos para os cultos domésticos e as refeições em conjunto são sugestões que podem e devem fazer parte do cotidiano familiar. “Ter compromisso com o lar o evidencia como uma prioridade, algo que deve receber o devido valor.”

A psicanalista lembra que, no evangelho de Lucas, Jesus orienta sobre a importância do planejamento. “Ele diz que, antes de construirmos uma torre, precisamos nos sentar e planejar os gastos para saber se conseguiremos chegar ao fim da obra [Lc 14.28]. O mesmo acontece com a organização de uma família”, informa Kássia, sinalizando que o ambiente doméstico precisa ser tratado como um projeto em construção espiritual, que exige acompanhamento do casal e dos pais para com seus filhos. “Se tratarmos a estruturação da casa como prioridade, Deus nos ajudará, pois a família é o Seu plano inicial desde o Éden.”

A confeiteira Ana Paula Lima de Souza Caldas enfatiza que o pai é o responsável por gerar, no coração dos filhos, a figura do Altíssimo; a mãe, por sua vez, é quem comunica a pessoa do Espírito Santo a eles: “Isso os faz caminhar em temor, amor e obediência a Deus, aos pais e às lideranças”
Foto: Arquivo pessoal

Espírito aflito – A confeiteira Ana Paula Lima de Souza Caldas, 40 anos, enfatiza que a organização do lar deve começar pela obediência à liderança espiritual ​da casa. “Penso que, quando o marido cumpre o princípio estabelecido pelo Senhor de se tornar a cabeça da esposa [Efésios 5.23], os filhos se mantêm protegidos pela b​ênção que está sobre esse matrimônio.” Para Caldas, o pai é o responsável por gerar, no coração dos filhos, a figura do Altíssimo; a mãe, por sua vez, é quem comunica a pessoa do Espírito Santo a eles. “Isso os faz caminhar em temor, amor e obediência a Deus, aos pais e às lideranças.”

A Pra. Adriana Ferreira Costa Farias destaca: “Precisamos entender que deixar a casa física bagunçada nos levará a negligenciar a espiritual. É preciso arrumá-las, para que a vida funcione, e Deus possa nos conduzir em paz, alegria e amor”
Foto: Arquivo pessoal

A Pra. Adriana Ferreira Costa Farias, 52 anos, da Igreja do Evangelho Quadrangular no bairro Universal, em Betim (MG), destaca outro aspecto espiritual relacionado à organização do lar: a falta de ordem e planejamento gera um espírito aflito. Segundo ela, esse estado de aflição ocasiona um ambiente desorganizado, no qual não se consegue focar nas atividades diárias, deixando de lado práticas fundamentais, como a oração e a leitura bíblica devocional. “Precisamos entender que deixar a casa física bagunçada nos levará a negligenciar a espiritual. É preciso arrumá-las, para que a vida funcione, e Deus possa nos conduzir em paz, alegria e amor”, conclui.

Cultivando a organização

Manter apenas o necessário – Guardar muitas coisas, como roupas, acessórios e utensílios, é um convite à desorganização. Reduzir a quantidade de pertences pode contribuir para manter a ordem. É importante se desfazer dos objetos antigos antes de comprar algo novo, garantindo mais espaço do que itens a conservar.

Não preencha todos os espaços – É importante não usar toda a capacidade de armazenamento da casa. Organizadores profissionais recomendam usar 80% dos espaços e deixar 20% livres. Também não é recomendável saturar a residência com móveis e objetos; muitos são desnecessários.

Cada coisa em seu lugar – É necessário ter um lugar para tudo. Assim, quando a pessoa chegar à sua casa, não deixará a chave do carro em qualquer canto, por exemplo. Isso reduzirá a perda de tempo no dia seguinte, procurando um objeto tão pequeno, e o estresse decorrente da busca. O mesmo problema pode ser evitado com roupas, calçados, utensílios e demais produtos.

Aposte em nichos e caixas – Existem diversas opções de organizadores, como caixas, potes, nichos e cestos. Eles podem estar presentes em toda a casa – na cozinha, nos banheiros e nos quartos. Esses objetos economizam espaço e evitam que os ambientes e armários fiquem bagunçados.

(*Colaborou Élidi Miranda, com informações de Casa e Jardim e A Arquiteta)

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