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01/10/2021Pessoas tóxicas
É preciso identificar e se afastar de relacionamentos que fazem mal ao corpo e à alma
Por Ana Cleide Pacheco
Há dois anos, Juliana Macedo (nome fictício), 24 anos, sente-se livre. O motivo: libertou-se de um namoro que lhe dava a sensação de estar em uma prisão. Filha única e estudante de Direito, a jovem conta que seu pesadelo começou quando conheceu Rogério (nome fictício) em um retiro da igreja da qual ela era membro. Ele estava lá a convite de amigos, mas frequentava outro ministério. Na ocasião, conversaram bastante e, dois meses depois, estavam namorando. A princípio, tudo correu bem, e, ao completarem um ano juntos, ficaram noivos.
A partir daquele momento, no entanto, o rapaz começou a pressioná-la para congregar em sua igreja, alegando que eles se casariam em breve e não poderiam ficar separados. Diante da insistência do noivo, Juliana cedeu. Mas o jovem também passou a reclamar das roupas dela e de seu corte de cabelo. Proibiu-a de usar maquiagem. Constantemente, dizia que a moça estava acima do peso e precisava emagrecer. Além disso, monitorava os horários dela e ainda a afastou de todos os amigos. “Aos poucos, fui ficando angustiada, introspectiva, não tinha mais amigos, não participava de atividades na igreja.”
Quando questionada pela família sobre o motivo de sua tristeza evidente, Juliana desconversava, com medo de expor o que estava sucedendo. Na verdade, ela não sabia o que fazer. Até que Rogério marcou a data do casamento. Em vez de ficar feliz, Juliana se desesperou. “Decidi conversar com ele. Pedi que esperássemos um pouco, pois ainda faltavam dois anos para eu concluir a faculdade.” No entanto, o rapaz ficou transtornado. “Ele nem esperou eu acabar de falar e veio para cima de mim com os olhos cheios de raiva, acusando-me de um monte de coisas, e me sacudiu. Vi, naquele momento, que não dava mais para suportar.”
Ela relata que, logo após aquela agressão, ele se mostrou arrependido, pediu desculpas e disse que aquilo jamais aconteceria de novo. “Mas, ao voltar para casa, relatei tudo aos meus pais que, imediatamente, me acompanharam até a casa dele, onde tivemos uma conversa na presença dos pais dele, colocando um ponto final naquela relação doentia.” Segundo Juliana, por algum tempo, Rogério tentou reatar, entretanto, ao perceber que ela não voltaria atrás, desistiu. “Com a ajuda da terapia, dos meus pais e, claro, de Deus, saí daquele turbilhão e hoje estou em paz.”
Manipulações e humilhações – Relatos como esse podem ser ouvidos, todos os dias, nos gabinetes pastorais e em consultórios de psicólogos e de psiquiatras. Assim como Juliana, muita gente se relaciona com indivíduos que, de acordo com profissionais de saúde mental, são pessoas consideradas tóxicas. Elas costumam usar a manipulação para minar a autoconfiança dos outros, diminuindo sua autoestima, e não produzem diálogos construtivos, não têm empatia e são altamente julgadoras. “Trata-se de alguém que tem distúrbios emocionais e que usa isso para manipular e cometer abusos e crimes contra outra pessoa. É consciente, em parte, de sua toxicidade, mas nega isso”, descreve a advogada Jane Louise, 43 anos, delegada da Comissão de Assistência às Vítimas de Violência Doméstica (CAVVD) da OAB Niterói (RJ).
De acordo com Louise, os abusadores podem ser de qualquer gênero, mas as vítimas, em grande parte, são mulheres. “A pessoa tóxica envolve outra, que acaba lhe entregando sua identidade e suas emoções. De posse disso, o abusador comete atrocidades. Sempre aconselho as mulheres, ou qualquer pessoa que esteja vivendo esse tipo de situação, a buscar ajuda profissional terapêutica, formar uma rede de apoio e, em alguns casos, denunciar.”
Procurar as autoridades foi a solução encontrada por N., 42 anos, para se livrar de um envolvimento prejudicial. Por 16 anos, ela foi casada com um homem que, ao longo de todo esse período, humilhou-a e a manipulou. Dependente financeiramente do marido, ela conta que se sujeitava a todos os seus caprichos, como afastá-la dos familiares e impedi-la de ir à igreja. “No começo, achava que era porque ele me amava e tinha ciúmes. Por isso, eu me deixei levar.”
No entanto, com o passar dos anos, as coisas foram ganhando proporções assustadoras. “Ele me punia. Deixava faltar alimentos e produtos de higiene pessoal e me humilhava assim. Ele me xingava, porém nunca havia me agredido. Até que, um dia, chegou nervoso do trabalho, gritou comigo e, como eu não respondi, ele me deu um tapa no rosto”, revela N., a qual relata que ligou rapidamente para o 180, número da Central de Atendimento à Mulher, que atende vítimas de violência. “Saí de casa. Foi bastante difícil, pois ele me seguiu. Tive de entrar na Justiça com um pedido de medida protetiva. Hoje, moro em outro município. Não desejo isso a ninguém, mas, com a ajuda de Deus, é possível recomeçar”, garante.
Capazes de mudar – De acordo com o psicólogo clínico Robson Pimentel da Silva, para se desvencilhar de uma situação tóxica dessa, a vítima precisa identificar os comportamentos nocivos do agente agressor e olhar para si mesma. “Quando atitudes prejudiciais são identificadas, a pessoa vitimizada pode trabalhar o autoconceito, a autoimagem, a autoestima e o amor-próprio. E, em seguida, deve tratar de desenvolver o amor ao próximo, porém, de uma forma madura. Constantemente, vemos um amor muito romântico, negligente, tolerante e, várias vezes, autodestrutivo”, ensina.
De acordo com o profissional, é preciso entender que pessoas tóxicas agem assim porque escolheram essa forma de lidar com o mundo. “Mas só existe o abusador porque o outro permite ser abusado”, destaca Robson, lembrando, entretanto, que todos são capazes de mudar, inclusive aquelas pessoas consideradas tóxicas. “Podemos facilitar tais mudanças, falando sobre o assunto com elas, tentando mostrar-lhes que estão ferindo os outros.” Por outro lado, o psicólogo alerta: aquele que sofre abuso deve procurar proteger-se dos comportamentos prejudiciais do abusador. “Quando falo em ‘proteger-se’, eu me refiro às atitudes das pessoas e não delas, propriamente”, esclarece o especialista, membro da Igreja Batista Betânia, em Realengo, zona oeste do Rio de Janeiro (RJ).
Pessoas venenosas estão presentes no lar, em ambientes de trabalho, nas salas de aula e até mesmo nas igrejas. Segundo a psicóloga Gláucia Agda de Freitas Borges, 46 anos, muitos estudos têm demonstrado os impactos causados nas vítimas de comportamentos abusivos de cônjuges, pais, mães, chefes ou amigos. De acordo com ela, o estresse causado pelos relacionamentos tóxicos pode comprometer a eficácia dos neurônios no hipocampo, importante área do cérebro responsável pelo raciocínio e pela memória.
A especialista diz que vítimas desses abusos podem sofrer de desregulação do sistema imunológico, aumentando o risco de desenvolvimento de doenças infecciosas e psicossomáticas, além de terem distúrbios, como ansiedade e depressão, transtorno de estresse pós-traumático e problemas de comportamento. “Nas relações de trabalho, por exemplo, é preciso reconhecer que se está em um relacionamento tóxico e buscar ajuda. Acompanhamento psicológico é o mais recomendável”, informa Gláucia Borges, acrescentando ser importante criar limites e não estimular esse tipo de relação, posicionando-se e mostrando ao outro que está sendo invasivo. “Proteger-se emocionalmente é sempre o melhor caminho.”
Problemas desnecessários – A própria Bíblia traz alguns exemplos de pessoas tóxicas, tais como Dalila, Jezabel, Amnon e Absalão. A primeira tanto insistiu com Sansão que este lhe contou o segredo de sua força. Por causa disso, acabou sendo capturado pelos filisteus (Jz 16). Por sua vez, Jezabel, que era casada com o rei Acabe, mandou matar os profetas do Senhor, ameaçou o profeta Elias e arquitetou a morte de Nabote a fim de apropriar-se de sua vinha (1 Rs 18-21). Já Amnon e Absalão, filhos do Rei Davi, causaram desgostos ao maior rei de Israel. O primeiro estuprou sua meia-irmã, Tamar (2 Sm 13), e o segundo era rebelde e tentou usurpar o trono de seu pai (2 Sm 15).
Líder estadual da Igreja Internacional da Graça de Deus em Espírito Santo, o Pr. Daniel Carlos de Jesus Bahiano, 38 anos, alerta para o fato de que as congregações também podem ter indivíduos manipuladores, os quais se comportam contrariamente à Palavra de Deus e que tendem a criar problemas desnecessários. “A liderança deve agir sob a direção do Senhor, objetivando proteger a comunhão da igreja. Quanto ao agente tóxico, com doses maiores de paciência e tolerância, é possível convencê-lo a mudar de comportamento”, defende o pastor.
Citando o texto de Hebreus 12.14 (Segui a paz com todos), o líder afirma que, aparentemente, tal esforço deve ser redobrado no trato com pessoas tóxicas, “uma vez que estas costumam ser invejosas, ciumentas, opressoras e mexeriqueiras”. O pastor Daniel Bahiano lembra que é preciso repreender esses irmãos com amor, mas há limites que não podem ser transpostos. “Se não aceitam a repreensão, com discernimento e oração, devemos nos afastar deles, visando até mesmo nos resguardar, conforme orienta a Palavra de Deus em 2 Timóteo 3.2-5”, finaliza, referindo-se à passagem em que o apóstolo ensina: Porque haverá homens amantes de si mesmos, avarentos, presunçosos, soberbos, blasfemos, desobedientes a pais e mães, ingratos, profanos, sem afeto natural, irreconciliáveis, caluniadores, incontinentes, cruéis, sem amor para com os bons, traidores, obstinados, orgulhosos, mais amigos dos deleites do que amigos de Deus, tendo aparência de piedade, mas negando a eficácia dela. Destes afasta-te.