Sociedade
01/02/2020De volta ao lar
O caminho da reconciliação com Deus pode ter percalços, mas é sempre a melhor escolha
Por Patrícia Scott
O coração do homem, obra cinematográfica lançada no Brasil pela Graça Filmes, combina ficção e realidade para recriar a parábola do filho pródigo, contada por Jesus e registrada em Lucas 15.11-32. A narrativa é permeada de testemunhos reais de pessoas que abandonaram a fé, mas que, apesar das dificuldades, regressaram à casa do Pai. O longa-metragem dirigido por Eric Esau evidencia a importância de tal decisão na vida daqueles que deixaram a presença de Deus e se enredaram em desilusões mundanas.
Nas igrejas evangélicas, não faltam exemplos de gente que passou por experiências como a do filho pródigo. A doméstica Celi Maria dos Santos, 60 anos, por exemplo, frequentou uma igreja por mais de 15 anos, porém sentia que não estava, de fato, liberta. Em seguida, ficou uma década e meia longe de Deus – o “pior período” de sua vida, reconhece ela. Naquele tempo, além de consumir bastante bebida alcoólica, era agredida fisicamente nas constantes brigas com o marido.
Mesmo tendo visitado algumas comunidades cristãs durante essa fase, Celi dos Santos não conseguia se firmar em nenhuma congregação. Sabia, entretanto, que precisava de Jesus, por isso pediu a Deus que lhe mostrasse um lugar onde pudesse servir-Lhe verdadeiramente. Foi quando conheceu a Igreja Internacional da Graça de Deus (IIGD) em Caratinga (MG) e teve um encontro com Cristo. “Tenho paz e conquistei a libertação que tanto desejava.”
A arquivista Patrícia Pinto Martins Pontes, 45 anos, igualmente amargou experiências ruins em sua caminhada fora da fé. Mesmo tendo conhecido o Evangelho ainda criança, por intermédio de sua mãe, ela se distanciou da igreja em dois momentos, aos 10 anos e aos 20 anos. Já adulta, cursando a faculdade, começou a fumar, a beber e a se envolver com colegas de turma. Depois de três anos apartada da Palavra, foi alcançada pelo Senhor quando estava em uma danceteria. “Ouvi o Espírito Santo me chamar pelo nome e dizer que aquele não era meu lugar”, relata Patrícia Pontes, membro da Igreja Presbiteriana em Nilópolis (RJ). A arquivista lembra que, naquele momento, chorou e saiu daquele local de trevas pronta para voltar à casa do Pai.
Nascido em um lar cristão, o vendedor Mateus Valente de Araújo, hoje com 22 anos, desviou-se da fé aos 18, após entrar para a faculdade. Ele reconhece que nunca havia permitido que Deus entrasse realmente em seu coração. O jovem acredita que tinha uma visão equivocada do cristianismo. Entendia que a fé em Cristo era apenas uma forma de obter conquistas pessoais e materiais.
Mateus Araújo ficou apenas seis meses disperso da igreja, entretanto aquele tempo foi suficiente para fazê-lo entender o quanto a presença do Altíssimo era significativa em sua vida. No dia em que resolveu se entregar ao Senhor, havia combinando de sair com amigos não cristãos. No entanto, preferiu deixar a companhia deles e seguir para a congregação. Lá, encontrou sua mãe louvando ao Senhor. “Eu me senti abraçado pelo Pai e recebido de novo em Sua casa”, alegra-se Mateus, líder de juventude da Igreja do Evangelho Quadrangular em Bangu, zona oeste do Rio de Janeiro (RJ).
Visão distorcida – Diversos fatores podem contribuir para esses desvios da fé. Um dos mais comuns é justamente o que sucedeu com Mateus, o qual olhou para o Evangelho com uma visão distorcida da vida cristã. Para a psicóloga clínica Lúcia Cerqueira Coelho de Souza, muitos ficam desiludidos e tendem a se sentir atraídos por outros caminhos que parecem melhores. Porém, em dado momento, percebem a escolha errada que fizeram e percorrem o trajeto de volta. “Seu retorno é o reconhecimento de que não tomaram a melhor decisão ao deixar a Igreja.” Para a terapeuta, as comunidades cristãs devem acolher quem está voltando ao convívio com os irmãos em Cristo sem levantar questionamentos sobre o motivo do seu afastamento. “A ajuda espiritual é fundamental e o amparo emocional também”, enfatiza Lúcia Cerqueira, membro da Igreja Batista Itacuruçá, na Tijuca, zona norte do Rio de Janeiro (RJ).
A psicóloga Rosane Regis Ouverney, integrante da Assembleia de Deus na Taquara, zona oeste do Rio de Janeiro (RJ), explica que, quando um cristão perde a comunhão com Deus e sua igreja, adota comportamentos mais liberais, opostos àqueles que mantinha. Essas novas práticas dificultam o seu retorno, pois são motivo de vergonha para o pecador arrependido que deseja retornar à comunidade cristã a qual estava ligado. Na opinião de Rosane Ouverney, quem deseja se reconciliar com o Salvador deve ser orientado a procurar outro espaço a fim de ser acolhido, tratado e fortalecido. “O mais importante é o seu retorno à casa do Senhor.”
Foto: Arquivo pessoal
Ouverney acrescenta que as fronteiras entre corpo, alma e espírito são tênues. Por isso, ao ser assíduo no templo novamente, o cristão precisa de apoio nas três dimensões citadas. Ela fala o texto do Salmo 51 – no qual o rei Davi mostra seu arrependimento depois de ter cometido pecado – e explicita que, nessa passagem, percebe-se a interação entre seu estado emocional e espiritual ao declarar: Cria em mim, ó Deus, um coração puro e renova em mim um espírito reto.Não me lances fora da tua presença e não retires de mim o teu Espírito Santo.Torna a dar-me a alegria da tua salvação e sustém-me com um espírito voluntário (Sl 51.10-12).
O Pr. Lacir Pereira da Silva, da IIGD de Campos Elíseos, em Ribeirão Preto (SP), concorda que o sentimento de desonra causado pelo pecado dificulta o retorno ao Senhor. Segundo ele, à semelhança do que aconteceu com Adão e Eva no Jardim do Éden (Gn 3.8), vários homens e várias mulheres tendem a se esconder quando percebem o tamanho do erro cometido. Para o pastor, esse comportamento reflete o medo que eles sentem de não serem aceitos. No entanto, ele faz um alerta: o inimigo se aproveita desse cenário para impedir o retorno do filho distante. “É preciso usar a sabedoria e orar para trazê-lo de volta quebrantado e arrependido”, orienta.
Foto: Arquivo pessoal
Contudo, Lacir Silva ressalta que, em certos casos, a situação do indivíduo que se desvia da fé pode se tornar mais complicada do que quando ele ainda não havia aceitado Jesus. O pregador cita Mateus 12.43-45, nesses versículos, o Salvador afirma que um espírito imundo, depois de ter saído de um homem, retorna levando consigo outros sete espíritos malignos: […] e são os últimos atos desse homem piores do que os primeiros (v. 45). “Os danos na vida da pessoa são terríveis. Se ela se comportava de uma maneira ruim, agora as atitudes dela serão piores.”
“Doentes e perdidos” – De acordo com a Pra. Ana Luíza Pedreira Brito, líder da Igreja da Graça de Parque Piauí, em Teresina (PI), a melhor forma de ajudar um crente desviado da fé é orar por ele. Afinal, segundo ela, trata-se de uma luta espiritual, e o diabo fará tudo a fim de prender em suas ilusões aquele que foi servo de Deus. Há casos, a pastora argumenta, em que a pessoa até consegue voltar para a igreja, porém sofre recaídas. “Ao orientá-la, é preciso ter em mente que Jesus veio para os doentes e perdidos. Não importa o que ela tenha feito, o Pai sempre está disposto a perdoar e a restaurar a aliança com Seus filhos.”
Foto: Divulgação / Suzana Ribeiro
Na visão do Pr. Emerson José de Souza, líder da IIGD no bairro Genibaú, em Fortaleza (CE), é essencial que haja o entendimento dessa relação de intimidade e filiação com Deus. Ele frisa que muitos procuram o Evangelho apenas para sanar problemas e obter curas, desprezando o ensino bíblico. Assim, ficam mais vulneráveis a promessas vãs. “O sobrenatural esperado não ocorre pelo simples fato de estarmos em uma congregação, e sim vem de uma vida de comunhão com a Palavra.” O líder também salienta que ninguém se afasta da fé de repente. “Aos poucos, o inimigo vai colocando o esfriamento e o desânimo, até tirar a pessoa da presença de Deus.” Souza destaca que cabe à liderança da igreja e aos seus auxiliares fazer o acompanhamento das ovelhas do Senhor. “Devemos estar de braços abertos para receber todos com amor e alegria, assim como o filho pródigo foi recebido na parábola”, conclui.