POR QUE O MAL EXISTE?
15/12/2024
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15/12/2024

PROTAGONISMO EVANGÉLICO

television anchorwoman at studio during live broadcasting

Foto: Alexander / Adobe Stock

PROTAGONISMO EVANGÉLICO


O crescimento da Igreja tem transformado a maneira como a grande mídia expõe quem são e o que fazem os crentes em Jesus

Por Marcelo Santos

Em outras épocas, para obter informações sobre o universo evangélico, era necessário recorrer aos meios de comunicação especializados, como a revista Graça/Show da Fé, uma das mais relevantes publicações cristãs brasileiras há 25 anos. Durante muito tempo, a Igreja Evangélica foi marginalizada pela grande mídia e raramente aparecia com destaque em jornais, periódicos ou produções televisivas. Quando isso acontecia, quase sempre a informação vinha carregada de estereótipos e preconceitos.

A jornalista e teóloga Magali do Nascimento Cunha atribui o aumento da presença evangélica na mídia ao crescimento expressivo dessa comunidade no cenário brasileiro: “Esse protagonismo já vinha acontecendo no campo religioso desde a virada do século 20 para o 21”
Foto: Arquivo pessoal

Porém, com o crescimento do número de evangélicos no Brasil, nas últimas duas décadas, e a expansão do acesso à internet, tornou-se impossível ignorar esse segmento. Assim, a presença do público cristão na mídia secular passou a ser cada vez mais comum, desencadeando uma transformação significativa nas abordagens jornalísticas. O cenário midiático ganhou novos contornos, incluindo reportagens, colunas e seções, demonstrando que o protagonismo evangélico veio para ficar. Entre os casos mais recentes, está a criação do Evangélicos, blog da Folha de S. Paulo lançado em abril deste ano e produzido pela jornalista e teóloga Melina Cardoso. A iniciativa, inédita em grandes jornais brasileiros, foi explicada pelo próprio periódico como um projeto desenvolvido com o olhar de quem frequenta uma igreja evangélica, marcando, assim, uma mudança substancial na forma como a imprensa passou a dialogar com esse público.

O jornalista evangélico Cezar Feitosa reconhece que ocorreram mudanças na cobertura midiática, mas lamenta que “os 30% de evangélicos na sociedade brasileira não estão representados nas redações”
Foto: Arquivo pessoal

A jornalista e teóloga Magali do Nascimento Cunha, 61 anos, colunista na revista Carta Capital, atribui o aumento da presença evangélica na mídia ao crescimento expressivo dessa comunidade no cenário brasileiro. “Esse protagonismo já vinha acontecendo no campo religioso desde a virada do século 20 para o 21”, afirma. A doutora em Ciências da Comunicação pela Universidade de São Paulo (USP), pesquisadora e professora na área da Comunicação Social, que desenvolveu uma tese de doutorado relacionada ao tema desta reportagem (Vinho novo em odres velhos: um olhar comunicacional sobre a explosão gospel no cenário religioso evangélico no Brasil), ressalta que, de maneira tímida no início, a mídia passou a prestar mais atenção ao público evangélico. Um marco importante desse interesse ocorreu em 2001, quando a revista Veja dedicou uma cobertura mais ampla ao mercado evangélico, explorando a força da música gospel e das expressões culturais dessa comunidade e abordando a relevância social e econômica dos crentes no Brasil. “O que vemos, desde então, é uma tentativa de aproximação, ainda que muitas vezes mal compreendida, entre a mídia e o universo evangélico.”

A jornalista evangélica Patrícia Godinho reflete sobre a relação entre a mídia e o segmento evangélico e lamenta a maneira como a mídia secular retrata o público evangélico: “Não reflete a diversidade interna desse grupo porque não deseja fazê-lo”
Foto: Reprodução / Instagram

A jornalista enfatiza que a visibilidade da Igreja Evangélica cresceu especialmente nos últimos 24 anos, com o aumento de sua presença não apenas na cultura popular, mas também na política devido à formação de uma forte Frente Parlamentar Evangélica no Congresso Nacional. “Esse destaque forçou a imprensa a qualificar sua cobertura e tratar com mais responsabilidade esse segmento”, avalia Magali, destacando que ainda há muitos equívocos na maneira como os crentes em Jesus são retratados pelos veículos de comunicação. “A imprensa tende a escolher certos personagens como porta-vozes, quando, na verdade, esse grupo é extremamente diverso”, critica, reforçando que esse público não pode ser resumido a figuras midiáticas ou estereotipadas.

Transformações sociais – Filho de pastor, o jornalista Cezar Feitosa, 29 anos, repórter da sucursal da Folha de S. Paulo em Brasília (DF) e diácono da Igreja Presbiteriana do Lago Norte, na capital federal, reconhece que ocorreram mudanças na cobertura midiática. No entanto, considera que existe outro aspecto fundamental a ser levado em consideração: a ligação histórica entre o crescimento evangélico e as transformações sociais no país.

Foto: gerada por IA via Firefly / Adobe Stock

Segundo ele, a expansão do pentecostalismo nas décadas de 1950 e 1960 está profundamente conectada às migrações internas e ao crescimento das periferias urbanas. “A demanda por questões sociais encontrou resposta na religião”, detalha Feitosa, ao lembrar que os cristãos, especialmente os pentecostais, ofereceram uma rede de apoio espiritual e material a populações marginalizadas e desassistidas. “Esse impacto é visto até hoje nas periferias e nas políticas públicas voltadas para essas comunidades.”

Para ele, os meios de comunicação têm muito a aprender sobre o povo evangélico, grupo que, ao longo dos anos, tornou-se uma força relevante em várias esferas da sociedade. “Muitas vezes, a mídia ignora a complexidade e a profundidade do trabalho social desenvolvido pelas igrejas evangélicas nas regiões mais pobres do país.” O jornalista lamenta que, na maioria dos jornais brasileiros, o número de profissionais protestantes destoe do percentual da população. “Os 30% de evangélicos na sociedade brasileira não estão representados nas redações”, observa ele, ressaltando que, se houvesse mais profissionais cristãos, a realidade midiática poderia ser bastante diferente.

O jornalista e teólogo Rodolfo Capler lembra que “inicialmente, a cobertura era frequentemente marcada por estereótipos e generalizações, mas, hoje em dia, tem se tornado mais diversificada e, em muitos casos, mais crítica”
Foto: Arquivo pessoal

Na opinião da jornalista Patrícia Godinho, 40 anos, que tem uma carreira consolidada em grandes veículos de comunicação, como o jornal O Estado e a emissora TV Mirante, ambos do Maranhão, reflete sobre a relação entre a mídia e o segmento evangélico. “Esse aumento da visibilidade também se deve ao reconhecimento de que a fé evangélica não é um bloco monolítico. Ainda há muito espaço para evolução”, avalia.

Ela lamenta, entretanto, a maneira como a mídia secular retrata o público evangélico: “Não reflete a diversidade interna desse grupo porque não deseja fazê-lo”, comenta. De acordo com ela, a pluralidade teológica e cultural é, muitas vezes, ignorada em prol de uma cobertura que se atém a aspectos superficiais ou polêmicos. Por isso, deveria haver uma abordagem mais sensível e cuidadosa por parte dos profissionais da área. “Os rótulos não cabem.”

Indagada a respeito do surgimento de colunas e blogs dedicados à audiência evangélica, Patrícia considera ser uma resposta ao crescimento desse público e, ao mesmo tempo, acredita que isso revela uma mudança na linha editorial de alguns veículos de comunicação. “O impacto social desse segmento ocupa um espaço relevante nas discussões sobre cultura, política e comportamento”, pontua.

O jornalista e apresentador Alexandre Giachetto diz que um dos maiores desafios dos meios de comunicação é a compreensão da vasta diversidade de ministérios e correntes existentes no universo evangélico: “A mídia secular, em geral, não entende essas diferenças”
Foto: Arquivo Graça / Solmar Garcia

“Crescente influência” – O jornalista e teólogo Rodolfo Capler, 37 anos, acompanha de perto as mudanças na cobertura midiática sobre os evangélicos. Pastor na Igreja Batista Alternativa, em Piracicaba (SP), no interior de São Paulo, e colunista na revista Veja, o líder religioso destaca o papel crucial desempenhado pela mídia secular nos últimos anos quanto à representação dessa parcela da população. “Inicialmente, a cobertura era frequentemente marcada por estereótipos e generalizações, mas, hoje em dia, tem se tornado mais diversificada e, em muitos casos, mais crítica,” declara.

De acordo com Capler, essa mudança de abordagem “é reflexo da crescente influência política de líderes cristãos e de questões sociais e culturais relacionadas ao discurso religioso, como a defesa de valores familiares e a resistência a pautas progressistas”.

Para o jornalista, o aumento da visibilidade dos evangélicos está ligado ao fato de as igrejas terem conquistado protagonismo político.

Entretanto, ressalta ele, há outros motivos que explicam a maior visibilidade protestante: a polarização social e a ascensão da cultura do cancelamento. Esses dois fatores contribuíram para que os evangélicos fossem vistos como um bloco a ser analisado mais de perto.

Ao ser questionado sobre a importância da representatividade de crentes em Jesus nas redações, Capler concorda que a presença maior de profissionais evangélicos é essencial. No entanto, adverte que tal movimento pode acarretar o risco de parcialidade, dependendo da linha editorial adotada pelos veículos de comunicação. “O ideal seria um equilíbrio de vozes tanto de jornalistas evangélicos quanto seculares nas discussões que envolvem fé e política”, argumenta.

Foto: Arte de Cleber Nadalutti gerada com IA via Adobe Firefly

Respeito aos evangélicos Para o jornalista e apresentador Alexandre Giachetto, 50 anos, um dos maiores desafios dos meios de comunicação é a compreensão da vasta diversidade de ministérios e correntes existentes no universo evangélico. “A mídia secular, em geral, não entende essas diferenças. Assim, os estereótipos permanecem devido à falta de conhecimento”, afirma o diretor de jornalismo no canal RIT Notícias, o noticiário da Rede Internacional de Televisão (RIT).

Segundo ele, muitos servos do Senhor se sentem mal representados pelas produções midiáticas, especialmente as que retratam práticas ou crenças que não correspondem à realidade de muitas igrejas. “Quem é evangélico e conhece os fundamentos da Palavra de Deus compara o que é mostrado nos filmes, nas novelas e nos noticiários com o que está escrito na Bíblia. O que não está de acordo com as Escrituras é rejeitado”, frisa o apresentador, que congrega na sede estadual da Igreja da Graça no Centro de São Paulo (SP).

O apresentador destaca o aumento exponencial do número de crentes em Jesus no Brasil e da influência da Igreja Evangélica nas últimas décadas. “Há mais evangélicos nas diferentes esferas da mídia, e isso é reflexo de uma sociedade diferente daquela marcada apenas como o país do futebol”, observa ele, salientando que o povo evangélico é assunto de discussão em diversos ambientes, inclusive artísticos, jornalísticos e políticos. “Percebo que existe um respeito maior por esse segmento”, opina.

Para Giachetto, a RIT é um exemplo de como a mídia secular pode se aproximar mais dos servos de Deus. “É a emissora de televisão com mais conteúdo evangélico no Brasil. Ela abre espaço para pastores de várias igrejas, promovendo debates sobre temas bíblicos. A linguagem que o evangélico entende está na RIT, um sucesso absoluto na comunicação”, conclui.


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