POR QUE O MAL EXISTE?
15/12/2024PREJUÍZO ESPIRITUAL
Em plena era das conexões digitais, a solidão ainda é uma inimiga a ser derrotada
Por Evandro Teixeira
Em uma época dominada por conexões digitais e redes sociais, sentir-se sozinho poderia parecer paradoxal. Mas, de acordo com especialistas, embora a tecnologia permita um contato em tempo real entre amigos e familiares, independentemente da distância que os separa, muitos se percebem assim, mais solitários. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), essa situação pode gerar graves consequências, como doenças neurológicas e problemas cardiovasculares.
Em 2023, o Departamento de Saúde e Serviços Humanos dos Estados Unidos, por intermédio do cirurgião-geral Vivek H. Murthy, a maior autoridade em saúde pública estadunidense, emitiu o alerta: a solidão é considerada uma “epidemia”. Em seu relatório, o médico enfatiza que o problema é anterior à pandemia de coronavírus e revela que cerca de metade dos adultos norte-americanos relatou níveis significativos de solidão. Na opinião de Murthy, o isolamento é prejudicial para todos, mas de maneira particular à vida espiritual dos cristãos, já que a Palavra de Deus é contrária a esse comportamento. Citando Gênesis 2.18 (Não é bom que o homem esteja só), uma passagem bíblica referente ao casamento, o especialista defende que o texto se opõe à solidão em todos os contextos. Portanto, as pessoas devem combatê-la.
Desafio social – Ainda que o relatório retrate a realidade dos Estados Unidos, a questão não é exclusiva dos norte-americanos, afirma o Pr. Jamiel de Oliveira Lopes, da Assembleia de Deus em Campinas (SP), observando que é preciso diferenciar isolamento e solidão. “O primeiro se refere à separação física de outras pessoas, à interrupção de elos sociais. Já o segundo tem a ver com estado emocional, que ocorre quando o indivíduo sente desconexão significativa dos outros, tendo esse sentimento mesmo estando rodeado de gente.”
Segundo Jamiel Lopes, as mídias digitais podem contribuir para o isolamento, pois os smartphones e as redes sociais estimulam um comportamento individualista e vínculos superficiais. Além disso, a dependência tecnológica é apontada por ele como um dos grandes problemas do mundo pós-moderno. “Confinados entre quatro paredes, muitos veem a tecnologia como a única forma de se comunicar com o exterior, perdendo o contato com a realidade.”
Pensamento semelhante tem o Pr. Elinaldo Renovato de Lima, da Assembleia de Deus em Parnamirim (RN), ao indicar que as redes sociais representam uma contradição: aproximam e distanciam as pessoas, sobretudo no ambiente familiar. Segundo ele, por causa do acesso às mídias digitais, não há mais conversa nos lares como antigamente, porque cada um fica no seu pequeno mundo virtual. Essa situação gera distanciamento entre os entes queridos no próprio lar e pode levar a problemas maiores. “Alguns casais se separam diante da distância criada entre os cônjuges, que dão mais atenção às interações virtuais”, ressalta.
O Pr. Victor Augusto Martins, líder regional da Igreja Internacional da Graça de Deus (IIGD) em Ribeirão Preto (SP), acredita que, de fato, a solidão é um desafio da sociedade contemporânea. Ele considera até normal as pessoas desejarem estar sozinhas em determinados momentos. No entanto, essa preferência se torna preocupante quando passa a ser frequente, prejudicando as relações interpessoais. “Para os cristãos, esse tempo pode ser uma oportunidade para aprofundar a comunhão com o Senhor.”
Distante de Deus – Na perspectiva da pedagoga Evanize Rodrigues Flôres de Oliveira, asolidão pode atingir qualquer pessoa – inclusive a cristã. Membro da Assembleia de Deus de Cabuçu, em Nova Iguaçu (RJ), a especialista acentua que esse tipo de quadro se agrava quando há o distanciamento não apenas de amigos e familiares, mas também de Deus, o que resulta em profundo vazio interior. “Esse vínculo entre o homem e o Senhor é fortalecido conforme a pessoa lê a Bíblia.”
De acordo com Evanize de Oliveira, a Palavra é clara ao mostrar a preocupação de Deus com a solidão humana, sobretudo sob o ponto de vista espiritual. Ela ressalta que Jesus, ao cumprir Sua missão na Terra, representava o próprio Altíssimo entre os homens. E, a fim de não deixar os Seus filhos sozinhos, Cristo pediu a Ele que enviasse o Espírito Santo: E eu rogarei ao Pai, e ele vos dará outro Consolador, para que fique convosco para sempre (Jo 14.16). “Por essa razão, a presença do Senhor é constante em nossa vida. O Salvador sabia o quanto essa ausência seria prejudicial para nós.”
Seguindo essa mesma linha de raciocínio, o Pr. Enisson Machado Luz, líder da Igreja da Graça do bairro Melo Viana, em Coronel Fabriciano (MG), recordou que os servos do Todo-Poderoso não estão livres de viver a experiência da solidão. Ele exemplifica utilizando a passagem em que Davi se sentiu só enquanto era perseguido por Saul (1 Sm 23.15-29). “Muitos textos bíblicos refletem esse sentimento e mostram que o homem de Deus sempre encontrou consolo no Senhor”, frisa o pastor, citando o Salmo 25.16: Olha para mim e tem piedade de mim, porque estou solitário e aflito.
Assim como o médico Vivek H. Murthy, mencionado no início desta reportagem, Enisson Luz entende que a aplicação de Gênesis 2.18 pode ser mais ampla, não se limitando ao contexto do casamento. “Esse versículo revela um aspecto fundamental da natureza humana. Fomos criados para viver em comunidade e nos relacionar uns com os outros”, argumenta o pregador, destacando que tal trecho pode ser usado para enfatizar a importância de evitar o isolamento. “Buscar conexões sociais faz parte do cuidado integral da saúde espiritual e emocional que Deus deseja para os Seus servos.”
Aprendizado e restauração – O Pr. Cláudio Humberto de Oliveira, da Primeira Igreja Batista de Alegre (ES), afirma que Deus não criou o homem para viver só. Entretanto, o ministro batista explana que esse desejo de ficar sozinho é consequência do pecado, que entrou no mundo no início da criação, no Jardim do Éden.
Cláudio de Oliveira acredita que a solidão, assim como qualquer outra experiência humana, pode ser usada por Deus para ensinar algumas lições. Porém, o Senhor dá um tratamento específico a cada pessoa, conforme a individualidade dela. “Os princípios que sustentam essas experiências são gerais, mas os efeitos são particulares”, explica Oliveira, assinalando que, erroneamente, o ser humano tende a associar situações ruins a um castigo. De acordo com ele, a Bíblia se opõe a esse senso comum: E sabemos que todas as coisas contribuem juntamente para o bem daqueles que amam a Deus, daqueles que são chamados por seu decreto (Rm 8.28).
Já o teólogo Marcelo Moreira Ramiro reconhece que a solidão crônica está relacionada a questões emocionais e psicológicas mais profundas, como depressão e ansiedade. Para ele, o isolamento pode ser um resultado de dores que levam a pessoa a se fechar. Sendo assim, um dos meios para superar essa barreira seria reparar a ruptura afetiva. Na visão dele, há casos em que tal superação depende de uma volta ao ponto inicial da situação para identificar, por exemplo, a necessidade de uma reconciliação. “O perdão é essencial nesse processo”, pontua Marcelo Ramiro, o qual aconselha que “para evitar traumas, convém cultivar relacionamentos saudáveis”.
No contexto cristão, afirma o teólogo, além de perdoar, é essencial orar para que as pendências sejam resolvidas, possibilitando, assim, estabelecer novas conexões. “Temos de pedir a Deus direção e força para sair do isolamento e da solidão”, orienta o estudioso, destacando que a ajuda profissional especializada, quando necessária, deve se somar ao amparo espiritual. “O Senhor pode trabalhar por meio da Igreja e dos profissionais a fim de auxiliar no restabelecimento da saúde emocional”, conclui.