Além dos números
31/07/2024Avanço evangélico
31/07/2024Jardineiro de Deus
Durante 50 anos, o escocês Robert Moffat dedicou-se à pregação do Evangelho e à tradução do Novo Testamento aos povos nativos da África do Sul
Por Élidi Miranda*
Conta-se que, por volta de 1799, o pastor da pequena igreja de uma aldeia no sul da Escócia estava sendo questionado a respeito da eficiência de seu ministério. Por que não houve crescimento na igreja, nem novos membros?, inquiriu um dos diáconos da congregação. Ninguém veio a Cristo através do seu ministério no ano passado, emendou outro obreiro. Parecia que o trabalho da igreja estivera paralisado ao longo dos últimos meses, e os membros estavam prestes a demitir o pároco, quando este retrucou: Sim, foi um ano difícil, mas e o pequeno Bobby?
Os diáconos haviam se esquecido do menino de apenas quatro anos que havia aceitado Cristo naquele ano. Afinal, para muitos, uma criança em tenra idade, filho de pais bem simples, ajoelhar-se diante do púlpito para orar, rendendo-se a Jesus, não parecia algo importante. Entretanto, aqueles homens não sabiam que haviam testemunhado a conversão de Robert Moffat (1795-1883), que se tornaria um dos maiores missionários britânicos no sul da África. O pequenino protagonizaria cena ainda mais inusitada, tempos depois, quando sua igreja realizou um culto voltado para missões. No momento da coleta de ofertas, não tendo dinheiro, o pequeno Bobby pediu ao responsável pela salva para colocá-la no chão. Nada tenho para dar a Deus além de mim mesmo, e, dizendo isso, entrou na bandeja com os pés descalços.
Chamado – Devido à condição financeira de sua família, o menino recebeu pouca educação formal e, na adolescência, aprendeu o ofício de jardineiro. Mais tarde, ele seria chamado de Jardineiro de Deus, pois utilizou muito desse conhecimento adquirido na jardinagem no campo missionário. Ainda adolescente, mudou-se para Inglaterra e foi viver perto de Liverpool, cidade situada no norte do país, onde se juntou aos metodistas. Certo dia, quando caminhava pela rua, viu um cartaz-convite para uma conferência missionária. Ele participou daquela reunião e, depois daquele encontro, convicto de que Deus o queria pregando aos povos não-alcançados, entrou em contato com o Rev. William Roby (1766–1830), um pastor de Manchester, e, posteriormente, foi recomendado à Sociedade Missionária de Londres. Em outubro de 1816, aos 21 anos, Moffat foi enviado à Cidade do Cabo, na África do Sul.
Seus primeiros anos de ministério foram marcados por viagens ao interior do país. Havia poucas ferrovias ou estradas, e, muitas vezes, elas eram destruídas pelas chuvas. Isso tornava as jornadas, feitas floresta adentro, muito perigosas. Fazia excessivo calor durante o dia, e, à noite, o frio era impiedoso. Pelo caminho, não faltavam encontros com leões, chacais, hienas, crocodilos, cobras e macacos. No entanto, nenhum perigo era mais letal do que os guerreiros nativos das tribos hostis à presença de estranhos. Em 1817, ele chegou à aldeia dos namaquas, e o chefe – conhecido por ser um assassino sanguinário – converteu-se a Cristo. Testemunhar a maneira pela qual Deus estava agindo na vida daquele homem serviu de incentivo para o jovem Moffat continuar superando todos os obstáculos para fazer a obra divina.
Tradução da Bíblia – Quase três anos depois de sua chegada à África, ele receberia do Senhor uma ajudadora fiel para o cumprimento da missão: Mary, sua namorada, uma jovem inglesa, filha de seu ex-empregador. Eles se casaram em dezembro de 1819, e os dois serviriam a Deus juntos por 50 anos na África.
À medida que viajava e conhecia o país, Moffat se familiarizava com os costumes e as línguas locais. Ele decidiu concentrar seu trabalho junto ao rio Kurumon, entre os bechuanas, onde se fixou. A princípio, a recepção dos nativos não foi boa. Não via recompensa pelo trabalho incansável, informou, certa vez. Robert trabalhava como construtor, carpinteiro, ferreiro e agricultor, além de pregar a Palavra. Ele ensinou aos nativos muito do que sabia sobre o manejo da terra, ajudando-os a melhorar a produção de alimentos. Contudo, poucos eram os convertidos.
Passaram-se 12 anos até que, de repente, um grande avivamento alcançou a aldeia. O local onde as reuniões aconteciam ficou lotado. As danças e canções às entidades pagãs cessaram naquele lugar, e os convertidos eram batizados dia após dia. Outras tribos, ao saberem da notícia, abriram as portas para que o homem branco fosse até eles para falar da Boa Notícia da salvação em Jesus.
Foi então que Moffat percebeu que precisava traduzir o Novo Testamento para a língua do povo, a fim de poderem conhecer mais profundamente a Palavra. Foram anos de trabalho, mas ele não somente conseguiu traduzir o texto, como também adquiriu uma prensa e o imprimiu. Em seguida, instruiu os africanos a ler e escrever.
Ele retornou à Inglaterra duas vezes. Na primeira visita, convenceu sua filha e o marido, o médico David Livingstone (1813-1873), os quais estavam se preparando para servir ao Senhor na China, a seguir para a África. Tempos depois, Livingstone entraria para a história das missões modernas como o primeiro europeu a atravessar o continente de oeste a leste, abrindo o caminho para a atividade missionária na África Central. O filho de Robert, John Moffat, depois de passar um período estudando na Europa, também retornou à África como missionário.
Em sua segunda e derradeira visita à Inglaterra, 50 anos depois de ter iniciado seu ministério em solo africano, Robert Moffat já estava com a saúde bastante debilitada. Desse modo, em 9 de agosto de 1883, ele deu corda em seu relógio de bolso com as mãos trêmulas. Pela última vez, disse. De fato, aos 87 anos, Bobby partiu para uma nova jornada: desta vez, ao encontro de seu amado Senhor, a quem devotara toda a sua vida, desde aquele singelo culto, quando tinha quatro anos. (*Com informações de Gospel Fellowship Association Missions e Wholesome Words)