Privilégio de servir

Trabalhar em prol do Reino de Deus é dever do cristão, mas nem todos se lançam à seara do Mestre

Por Patrícia Scott

Uma pesquisa realizada nos Estados Unidos confirmou as seguintes palavras de Jesus: A seara é realmente grande, mas poucos são os ceifeiros. Rogai, pois, ao Senhor da seara que mande ceifeiros para a sua seara Mt 9.37,38). O levantamento da Lifeway Research, organização especializada em pesquisas relacionadas ao meio cristão, mostrou que, entre os evangélicos da nação mais rica do mundo, a maioria concorda que é importante trabalhar para Deus, mas apenas uma pequena parcela está disposta a colocar as mãos no arado (Lc 9.62). Divulgado no primeiro semestre de 2023, o estudo reuniu dados de 1.002 frequentadores de igrejas protestantes norte-americanas, coletados de 19 a 29 de setembro de 2022.

De acordo com a sondagem, 86% dos entrevistados afirmaram ter o desejo de servir às pessoas de sua comunidade, na esperança de compartilhar com elas o Evangelho. No entanto, a maioria dos respondentes (66%) informou que não esteve envolvida em qualquer trabalho voluntário – ministerial ou assistencial da igreja – no ano anterior à pesquisa. Apenas 30% dos participantes disseram que haviam se engajado em alguma atividade desse tipo, e 4% não estavam certos se tinham ou não se envolvido em ações voluntárias no mesmo período.

A pesquisa mostrou também que os que frequentam os cultos de suas igrejas quatro vezes por mês são mais propensos a se engajarem em atividades voluntárias: 60% deles estiveram envolvidos em alguma proposta desse tipo em 2022. Já entre os que vão à igreja três vezes por mês, ou menos, a disposição para servir é menor: 73% não participaram de qualquer atividade voluntária no período citado. 

Do ponto de vista bíblico, servir ao próximo é inerente à caminhada cristã. O próprio Salvador afirmou: O maior dentre vós será vosso servo. E o que a si mesmo se exaltar será humilhado; e o que a si mesmo se humilhar será exaltado
(Mt 23.11,12). Além disso, Cristo deu exemplo a esse respeito, conforme registra Mateus 20.28: O Filho do Homem não veio para ser servido, mas para servir e para dar a sua vida em resgate de muitos. “Devemos fazer como Jesus: servir em todo momento. Assim, receberemos nosso galardão na Glória”, ressalta o Pr. Adalberto Carvalho, líder estadual da Igreja Internacional da Graça de Deus (IIGD) no Amapá.

O ministro frisa que todo servo de Cristo precisa se lembrar do maior de todos os mandamentos: Amarás o Senhor, teu Deus, de todo o teu coração, e de toda a tua alma, e de todo o teu pensamento […]. Amarás o teu próximo como a ti mesmo (Mt 22.37-39). “Amar é o maior dos ensinamentos do Senhor Jesus. Por meio dele, é possível colocar em prática os demais. Quando amamos o próximo, fazemos ao outro o que gostaríamos que fizessem por nós.”

Conscientização – A assistente social Patrícia Pereira lembra que o serviço no Reino é concedido por Deus aos Seus filhos, pois o Senhor não precisaria de nenhum ser humano para realizar a obra dEle. Entretanto, o Altíssimo proporciona a Seus servos o privilégio de participar do cumprimento de Seus propósitos. “É como um pai que está fazendo algo e chama o filho pequeno para ajudar. O adulto não precisa do auxílio da criança nem ela tem condições de desempenhar a tarefa, mas está ali. Enquanto participa, os dois estão em comunhão”, compara.

De acordo com a especialista, fazer a obra de Deus é caminhar com Ele, participando daquilo que o Criador deseja realizar. “Sempre haverá necessitados no meio da igreja, do ponto de vista material, emocional ou espiritual. É importante que a liderança conscientize os membros da congregação sobre a urgência do serviço. Isso deve ser ensinado no púlpito, nas classes bíblicas, nas células e no discipulado”, assinala Patrícia.

Considerando o resultado da pesquisa realizada nos EUA, percebe-se que tal ensino é necessário também em nosso país. Para muita gente, se o mesmo levantamento fosse realizado no Brasil, o resultado não seria diferente do captado em território norte-americano. É o que pensa o Pr. Paulo Gonçalves Júnior, da Igreja da Família em Aarão Reis, na cidade de Belo Horizonte (MG). “Desde o Éden, o homem foi contaminado com o veneno do ‘eu no centro’, porque desejou assumir o lugar de Deus.” Para o líder, servir é a essência da vida cristã e significa estar alinhado ao coração do Pai celestial no entendimento e na prática. Afinal, todo servo do Senhor deve praticar os ensinamentos de Cristo, mas, sobretudo, viver como Ele. “O papel de cada cristão é amar e servir, além de cuidar dos que o Altíssimo tem acrescentado à Igreja a cada dia.”

A Pra. Bárbara Rabelo de Oliveira, da Assembleia de Deus Palavra e Unção, em Campo Grande, na zona oeste do Rio de Janeiro (RJ), também observa que muita gente apresenta resistência ao engajamento no trabalho ministerial. “Talvez pela falta de tempo, ou porque se decepcionou com a igreja ou com algum irmão [na fé]. Por outro lado, as pessoas estão egocêntricas, pensando somente nos próprios problemas”, avalia a ministra, alertando para o fato de que o cristão é chamado para servir onde quer que esteja, dentro ou fora da igreja, conforme João 12.26: Se alguém me serve, siga-me; e, onde eu estiver, ali estará também o meu servo. E, se alguém me servir, meu Pai o honrará.

A pastora lembra ainda que a Bíblia registra diversos exemplos de servos fiéis ao Senhor. Ela cita Davi, o maior rei da História de Israel, cujo caráter de servo esteve evidente em sua vida desde a juventude, conforme está descrito em 1 Samuel 17. O texto relata que, quando Davi era pastor de ovelhas, seu pai, Jessé, mandou que ele levasse alimentos para os irmãos, que estavam na guerra contra os filisteus. “Chegando ao local, o jovem percebe a zombaria com o Nome do Senhor. Então, apresenta-se para lutar contra o gigante Golias. O coração dele era voltado para Deus. Isso o tornava disponível para servir.”

Dons e talentos – Ao ser questionado sobre o resultado da pesquisa da Lifeway Research, o Ap. Thiago de Souza Pixinine, do Ministério Internacional Alfa e Ômega, em Realengo, na zona oeste carioca, destacou que todo cristão é chamado para servir, independentemente do cargo ou função que exerça na igreja. De acordo com ele, a hierarquia e os cargos de liderança somente existem por uma questão de organização, mas o Corpo de Cristo precisa trabalhar ajustado, conforme orientam as Sagradas Escrituras em Efésios 4.15,16: Antes, seguindo a verdade em amor, cresçamos em tudo naquele que é a cabeça, Cristo, do qual todo o corpo, bem-ajustado e ligado pelo auxílio de todas as juntas, segundo a justa operação de cada parte, faz o aumento do corpo, para sua edificação em amor. “Por isso, a necessidade de que todos colaborem para o propósito maior, que é o avanço do Reino de Deus na Terra”, alerta Pixinine, enfatizando que cabe ao líder identificar os dons e talentos que o Senhor concedeu a cada um, para que possa delegar o serviço. [No final desta reportagem, leia o quadro O que a Bíblia diz sobre o voluntariado]

Há quem aponte o fato de que os cristãos deixam de fazer o serviço voluntário na igreja por diversos motivos. Alguns líderes, como o Pr. Eladir Cabral, da IIGD em Nova Aurora, na cidade de Belford Roxo (RJ), na Baixada Fluminense, afirmam que tais impedimentos seriam motivados por questões carnais ou lutas espirituais que muitos não conseguem discernir. “Muitas vezes, Satanás se levanta contra a pessoa a fim de paralisá-la. Isso acontece porque o inimigo sabe que, servindo na obra de Deus, o servo do Senhor se fortalecerá na fé e crescerá espiritualmente.” O ministro afirma que, à medida que o cristão – ajudado pelo Espírito Santo e firmado na Palavra – deparar-se com esses impedimentos, ele se sentirá cada vez menos intimidado diante da ação maligna e estará mais disposto e preparado para colocar a mão no arado.

O Pr. Eladir Cabral chama a atenção para um ponto fundamental: ao servir, o cristão também tem seu caráter forjado pelo Criador, porque, na obra, ele é forçado a conviver com pessoas de diferentes personalidades e comportamentos e vivencia os mais diversos cenários. “Essas interações são importantes para o autoconhecimento. É a forma que Deus usa para tratar conosco. O orgulhoso, o teimoso e o arrogante serão confrontados à medida que as situações acontecerem, e o Espírito Santo mostrará a necessidade de mudança de comportamento, para que o Corpo de Cristo se torne mais saudável e trabalhe em conjunto.”

Na visão do teólogo Tiago Santos, quem não participa desse processo de limpeza interior se esquiva por falta de maturidade espiritual. Essas pessoas deixam de dar frutos para o Reino de Deus e ficam estagnadas no conhecimento e na prática da Palavra. “Não avançam na fé e se deixam levar pelas atrações mundanas. Com isso, perdem a honra de participar de algo magnífico e deixam de ser testemunhas da grande salvação que o Pai proporcionou ao mundo”, afirma Santos, lamentando o fato de que tais servos contrariam o que recomenda o apóstolo Pedro: Servi uns aos outros, cada um conforme o dom que recebeu, como bons despenseiros da multiforme graça de Deus. […] se alguém serve, faça-o na força que Deus supre, para que, em todas as coisas, seja Deus glorificado, por meio de Jesus Cristo, a quem pertence a glória e o domínio pelos séculos dos séculos. Amém! (1 Pe 4.10,11 – ARA)

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