Entrevista – 268
01/11/2021Carta do Pastor à ovelha – 270
01/01/2022Amizade verdadeira
Pastores e especialistas recomendam a formação de vínculos, especialmente com os irmãos em Cristo
Por Evandro Teixeira
O s homens modernos tendem a ter menos amigos próximos. É o que demonstra um estudo levado a efeito recentemente nos Estados Unidos pelo Survey Center on American Life (em inglês, algo como Centro de Pesquisas sobre a Vida Estadunidense). O levantamento mostra que apenas 59% dos entrevistados têm, pelo menos, um amigo mais chegado. No estudo anterior, realizado em 1990, esse percentual era de 77%. Entre as mulheres, também houve um declínio, mas apenas 10% delas relataram não ter amigos próximos. Para entender o fenômeno, a reportagem de Graça/Show da Fé buscou saber a opinião de estudiosos e pastores para tentar responder à seguinte questão: ter menos amizades é uma característica inerentemente masculina ou um reflexo da modernidade?
Para o doutorando em Ciência da Religião Rondinele Laurindo Felipe, esse fenômeno se dá por uma questão de influência cultural. “Não é um processo natural ou instituído pelo Senhor, e sim criado pelos próprios indivíduos”, observa ele, destacando que as pessoas tendem a se apegarem a práticas estabelecidas pela sociedade. Assim, segundo ele, ter menos ou mais amigos dependerá do contexto cultural: do meio em que se está inserido, da criação familiar que se recebe e da própria personalidade. “Por exemplo, pessoas muito apegadas a bens materiais costumam ser mais frias e menos afeitas a conquistar amigos”, analisa Felipe, para quem os aspectos relacionados ao gênero não fazem diferença. “Por isso, atividades que estimulem essa relação devem ser valorizadas entre todos de uma forma geral”, ensina, destacando que, no processo de socialização, a religião exerce um papel relevante. “Só teremos um bom relacionamento com Deus se cultivarmos boas relações com as pessoas.”
Já na opinião do Pr. Sandro Veiga da Silva, líder da Igreja Presbiteriana Renovada do Brasil em Bombinhas (SC), o problema dos homens consiste em não saber definir as amizades reais, pois, em nome do convívio social, acabam “abraçando” a todos como amigos. “Com esse tipo de comportamento, ele não consegue construir relações sólidas.” Assim, segundo ele, acumulam frustrações quando descobrem que a amizade não era verdadeira, o que, com o tempo, irá desencorajá-los a relacionarem-se novamente. Para o pastor, os homens precisam compreender o genuíno sentido da relação de amizade, que não deve se confundir com coleguismo. “Ao alcançarem esse entendimento, conquistarão amigos reais com os quais poderão desfrutar da plenitude do Evangelho.” Já as mulheres, na visão do líder, são mais criteriosas e conseguem avaliar melhor seus vínculos. Por outro lado, Sandro Veiga reforça a importância do papel das igrejas como locais propícios ao estabelecimento de vínculos mais saudáveis. “O Evangelho é um convite à comunhão sincera. Por isso, esse laço entre os irmãos em Cristo deve ser incentivado constantemente.”
Coordenador dos Homens Que Vencem (HQV) na sede estadual da Igreja Internacional da Graça de Deus (IIGD) em São Paulo, o Pr. Elvis de Sousa Xavier também entende a necessidade de a Igreja estimular a amizade entre os irmãos em Cristo. Não por acaso, conforme ele cita, o texto de Provérbios 27.17 (Como o ferro com o ferro se aguça, assim o homem afia o rosto do seu amigo) é a base para as reuniões dos HQV. Xavier lembra que um exemplo é a intercessão, já que todos são estimulados a orar uns pelos outros, além da participação do grupo em ações sociais, as quais promovem grande interação entre os membros. “Com essa orientação, temos homens caminhando na direção certa, dispostos a cumprir o propósito de Deus”, informa o pastor, assinalando que os homens tendem a priorizar mais a qualidade da amizade e menos a quantidade, principalmente na fase adulta. “Buscam geralmente aqueles que tenham aspirações semelhantes.”
O Pr. Francisco Fernandes Guimarães Filho, líder dos Homens Que Vencem (HQV) em Boa Vista (RR), concorda com Xavier e frisa que, por essa razão, tem investido em ações que favoreçam esse vínculo entre os irmãos em Cristo. “A participação masculina tem sido ativa nas visitas aos lares e nas atividades esportivas em grupo”, celebra.
Capacidade de comunicação – No passado, o filósofo grego Aristóteles (384-322 a.C.) disse que a amizade é uma alma que mora em dois corpos, um coração que palpita em duas almas. A Bíblia destaca o valor da amizade em diversas situações, como registra o rei Salomão em Provérbios 18.24: O homem que tem muitos amigos pode congratular-se, mas há amigo mais chegado do que um irmão. O autor de Eclesiastes enfatiza que melhor é serem dois do que um, porque têm melhor paga do seu trabalho. Porque, se um cair, o outro levanta o seu companheiro; mas ai do que estiver só; pois, caindo, não haverá outro que o levante (Ec 4.9,10). De acordo com o psiquiatra canadense Eric Berne (1910-1970), a busca por amigos é uma forma de responder a necessidades fisiológicas de contato físico e de reconhecimento.
Para a psicóloga Nilcea Pessoa Lopez, homens e mulheres têm as mesmas motivações para fazer amigos, dependendo apenas da capacidade de comunicação de cada pessoa. “Não vejo diferença de comportamento por causa do gênero.” Fazer amigos, enfatiza a especialista, é um processo que se dá de maneira espontânea, especialmente na igreja, já que se trata de um espaço, de interação frequente, voltado para a comunhão entre os irmãos em Cristo. O Pr. Edson Tadeu Ferreira da Silva Júnior, líder regional da IIGD em Rio das Ostras (RJ), concorda e sublinha que a amizade é algo inerente à vida cristã. “À medida que o crente vai se aprofundando nos ensinamentos de Cristo, ele começa a observar o valor dado à amizade e o quanto é importante ter pessoas valorosas ao seu lado”, salienta o pastor, destacando a passagem do Salmo 133.1: Oh! Quão bom e quão suave é que os irmãos vivam em união!
O Pr. Rogério Postigo, líder dos Homens Que Vencem (HQV) na sede estadual da Igreja da Graça no Rio de Janeiro, destaca que o amigo verdadeiro pensa no bem do outro e fala de modo sincero mesmo quando se trata de algo que a pessoa não quer ouvir. “Existe ainda o ‘amigo de fé’. Ele nos ajuda, colocando-nos para cima na hora das adversidades e ainda fortalecendo nosso vínculo com a família espiritual, que é nossa igreja.” Postigo concorda que os homens, de maneira geral, são mais resistentes à criação de vínculos de amizade realmente estreitos. Por isso, ele explica que, entre as atividades do HQV no Rio de Janeiro, há a preocupação em criá-los e fortalecê-los, por meio de eventos sociais, como passeios e jogos de futebol. “A comunicação, a empatia, a cooperação e o respeito mútuo são itens que devem ser trabalhados exaustivamente com o intuito de expandir os laços estabelecidos entre eles”, salienta.
Na opinião do Pr. Danilo Gomes Rogério, que lidera a sede regional da IIGD em Campos dos Goytacazes (RJ), a diferença na formação de uma amizade sólida reside no fato de as mulheres terem mais facilidade de compartilhar a própria vida, o que não é tão fácil entre o público masculino. “Faz-se, então, necessário que as lideranças promovam ações que visem à maior socialização entre os irmãos.”
A psicóloga Eliane Alves lembra que algumas pessoas podem ter dificuldade de se relacionarem com outras, independentemente do sexo. Ela explica que decepções com supostos amigos no passado ou mesmo problemas como fobia social podem dificultar o desenvolvimento de laços mais fortes. “A amizade é construída e requer disponibilidade de tempo para ouvir e falar, sendo permeada de afinidade, aceitação e confiança mútua”, pontua a especialista, observando que a modernidade trouxe o avanço das tecnologias que favorecem a comunicação digital, e, assim, novos conceitos e formas relacionais têm sido propostos. “Esse novo contexto alterou o entendimento que tínhamos sobre fazer e manter amigos e o significado do termo amizade”, pondera. Para ela, a igreja, como ambiente social, é um espaço perfeito para estreitar laços que podem ter sido iniciados nas redes sociais. Eliane Alves lembra que a melhor definição de amizade é aquela expressa por Jesus em João 15.15: Já vos não chamarei servos, porque o servo não sabe o que faz o seu senhor, mas tenho-vos chamado amigos, porque tudo quanto ouvi de meu Pai vos tenho feito conhecer. “Amigo é aquele com quem compartilhamos com amor o que temos de mais precioso”, conclui.
Entre
A importância de vínculos estreitos de amizade é tema de diversas passagens bíblicas. No Antigo Testamento, fica clara a necessidade de o homem relacionar-se com o Criador. Abraão, por exemplo, foi chamado o amigo de Deus (Tg 2.23). A amizade com o Senhor deve ter um reflexo direto na criação de laços fraternos entre as pessoas. Davi, um homem segundo o coração de Deus (1 Sm 13.14), tinha muitos amigos, porém um deles ganhou destaque nas Escrituras: Jônatas (1 Sm 18.1-4). O vínculo entre eles era tão forte que Jônatas se arriscou a enfrentar a ira de seu pai, Saul, para salvar a vida do amigo (1 Sm 20.33). Davi, por sua vez, cuidou de Mefibosete, filho de Jônatas, quando este morreu (2 Sm 9).
O Novo Testamento recomenda que os irmãos na fé tenham laços estreitos, motivados pelo amor. É o que Jesus diz aos Seus discípulos:
Ninguém tem maior amor do que este: de dar alguém a sua vida pelos seus amigos (Jo 15.12,13). O apóstolo Paulo reforça essa ideia quando escreve aos efésios: Rogo-vos, pois, […] que andeis como é digno da vocação com que fostes chamados, com toda a humildade e mansidão, com longanimidade, suportando-vos uns aos outros em amor,procurando guardar a unidade do Espírito pelo vínculo da paz (Ef 4.1-3). Em mensagem aos filipenses, Paulo destaca: Nada façais por contenda ou por vanglória, mas por humildade; cada um considere os outros superiores a si mesmo. Não atente cada um para o que é propriamente seu, mas cada qual também para o que é dos outros. (Fp 2.3,4). Nas palavras do apóstolo fica clara a intenção de demonstrar a importância de o amor entre os irmãos estar no centro do ministério cristão, uma vez que qualquer atividade da Igreja seria vazia sem esse ingrediente. O conhecido texto de 1 Coríntios 13 comunica esse mandamento: Ainda que eu fale as línguas dos homens e dos anjos, se não tiver amor, serei como o bronze que soa ou como o címbalo que retine. Ainda que eu tenha o dom de profetizar e conheça todos os mistérios e toda a ciência; ainda que eu tenha tamanha fé, a ponto de transportar montes, se não tiver amor, nada serei (1 Co 13.1,2 – ARA).
(Fonte: Bíblia Sagrada)