Vida Cristã
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01/10/2021Coisas lindas
Lilias Trotter renunciou a um futuro brilhante como artista plástica para se dedicar ao trabalho missionário no Norte da África
Por Élidi Miranda*
Ela nasceu no que se convencionou chamar de “berço de ouro”. Sua abastada família vivia cercada de criados em uma bela casa em West End, valorizado bairro de Londres, no Reino Unido, em plena Era Vitoriana (1837-1901). Isabella Lilias Trotter (1853-1928) crescera para ser uma fina dama, sempre cercada por membros da elite e da aristocracia britânicas.
A família era cristã, e ela conhecia o Evangelho, mas, em 1874, aos 21 anos, foi confrontada com a necessidade de priorizar o Reino de Deus em todas as áreas de sua vida. Isso aconteceu durante uma conferência em que aprendeu sobre a importância da oração e da leitura bíblica diárias. Seu coração foi avivado permanentemente naqueles cultos. Carregar o nome dEle com tudo o que está envolvido nisto […] é o chamado para o qual vale realmente a pena considerar todas as coisas como perda, escreveu em seu diário, na ocasião.
A partir daquele momento, Lilias Trotter deixava o conforto de sua casa para se dedicar ao trabalho social e à evangelização. Entre os alvos de suas ações, estavam as mulheres que andavam pelo entorno da Estação Vitória, conhecido reduto de prostituição da cidade, na época. Circular à noite por aquele local não era recomendável para uma moça, especialmente na sua posição. Entretanto, ela não se importava com os riscos.
Paralelamente à sua paixão pela obra de evangelização, a jovem tinha inclinação para o desenho e a pintura. Em uma viagem com a mãe a Veneza, na Itália, em 1876, conheceu o famoso crítico de arte John Ruskin (1819-1900), a maior autoridade de toda a Europa em artes plásticas naquele tempo. Ruskin ficou encantado assim que viu, pela primeira vez, algumas aquarelas da jovem. Estava convencido de que Trotter era dotada de grande talento e estava disposto a fazer dela uma das maiores artistas vivas da Inglaterra. Ele a convidou para ser sua pupila. Se aceitasse estudar sob a tutela dele, o futuro de Lilias Trotter estaria traçado: iria tornar-se, sem dúvida, uma famosa e prestigiada pintora.
Contudo, após um tempo de oração, declinou o convite, com a certeza de que aquele não era o futuro que o Senhor lhe havia designado. Não posso me entregar à pintura desta forma e continuar a buscar em primeiro lugar a Deus e a Sua justiça, escreveu a uma amiga. Ela manteve o trabalho social e de evangelização em Londres, porém, alguns anos depois, sentiu-se atraída pela obra missionária transcultural. Trotter revelou a uma amiga que, em todas as vezes que orava, as palavras Norte da África ressoavam em sua alma como se uma voz a estivesse chamando.
Poder da intercessão – Assim, em março de 1888, aos 35 anos, ela e duas amigas desembarcaram em Argel, capital da Argélia. Não tinham apoio financeiro de uma agência missionária, nem conheciam qualquer pessoa na cidade e não falavam árabe. Tudo o que sabíamos era que precisávamos estar ali, revelou Lilias Trotter, tempos mais tarde. A princípio, dedicaram-se a estudar a língua árabe e a aprender tarefas domésticas, uma vez que nenhuma delas jamais havia tido esse tipo de atribuição.
Lilias passava longos períodos sozinha, nas colinas, orando por Argel, observando o mar e aguardando que a onda do Espírito Santo varresse o mundo muçulmano. Trotter era contemporânea do missionário norte-americano Samuel Zwemer (1867-1952), conhecido como o “apóstolo do Islã”. Com Zwemer, ela aprendeu muito sobre o poder da intercessão capaz de romper as barreiras espirituais e alcançar as almas presas pelos laços do adversário.
Ao longo das quatro décadas seguintes, Lilias Trotter viajou – muitas vezes, sobre a corcova de um camelo – a várias partes do Norte da África. Ela foi a primeira mulher europeia a pisar em muitos desses lugares e fundou vários pontos de pregação. Lilias escrevia em seu diário todos os dias e pintava aquarelas com as paisagens que conhecia em suas andanças. Em um desses escritos, ela exulta: Oh, como é bom que tenha sido enviada para cá, para tamanha beleza.
Trotter é autora de vários livros. Em 1919, começou a escrever folhetos e ajudou no trabalho de tradução dos evangelhos de Lucas e João para o árabe coloquial. Também escrevia histórias em parábolas, que ela mesma ilustrava, despertando grande interesse dos leitores. O ministério, entretanto, não era um mar de rosas. A perseguição implacável aos convertidos ao Evangelho, inúmeras vezes, entristecia seu coração. Muitos morriam envenenados pelos próprios parentes.
Seu ministério permaneceu ativo e frutífero até seus últimos anos de vida, quando precisou ficar acamada. Continuava pintando e escrevendo, e se recusava a deixar a Argélia. Em seu leito de morte, aos 75 anos, ela estava rodeada de amigos que cantavam seu hino favorito, cujo título era Jesus, o amado da minha alma. Até que Lilias olhou para a janela e exclamou: Uma carruagem com seis cavalos! Um dos presentes questionou: Você está vendo coisas lindas? Ao que a idosa lhe respondeu: Sim. Muitas, muitas coisas lindas! Dessa forma, Isabella Lilias Trotter partiu deste mundo para ir ao encontro do Senhor! (*Com informações de Lilias Trotter Legacy, IMB e Wikipedia)