Medicina e Saúde – 267
01/10/2021Na prateleira – 268
01/11/2021A pérola do oceano
Florence Young foi uma das pioneiras no trabalho de evangelização de povos insulares no Pacífico Sul
Por Élidi Miranda*
O sol nunca se põe sobre o Império Britânico. Quando essa célebre frase foi cunhada, o Reino Unido havia se consolidado como o maior império de toda a história em extensão territorial. Seus domínios se estendiam de Oeste a Leste do globo, das Américas ao Extremo Oriente. O período áureo do colonialismo inglês aconteceu durante o reinado da rainha Vitória – iniciado em 1837 e terminado com sua morte, em 1901. Entretanto, assim como o missionário batista inglês William Carey (1761-1834) já havia observado, a pregação das Boas-Novas não havia acompanhado tal expansão, especialmente no Oriente. É verdade que após Carey (o primeiro a levar o Evangelho às colônias orientais), muitos outros servos de Cristo haviam seguido seus passos. No entanto, na segunda metade do século 19, o tamanho do império ainda representava um grande desafio à causa missionária.
Foi nesse contexto que Florence Young (1856-1940) desenvolveu seu ministério. Filha de um casal de fazendeiros cristãos britânicos, ela nasceu em Motueka, no litoral da Nova Zelândia. Aos 15 anos, foi enviada para a Inglaterra a fim de estudar em um colégio interno. Ela vivia sob intenso pavor da volta de Jesus, até que, aos 18 anos, recebeu Cristo como seu Salvador durante uma reunião de oração. Em 1882, após a morte de seus pais, Florence, aos 26 anos, estabeleceu-se em uma fazenda perto de Bundaberg, em Queensland, na costa Leste da Austrália. A propriedade era administrada por dois de seus irmãos.
Embora fosse tímida, ela começou a organizar reuniões de oração para os trabalhadores da fazenda, em sua maioria imigrantes de arquipélagos próximos da chamada Melanésia – região do Extremo Oeste do Oceano Pacífico a qual inclui os territórios das Ilhas Molucas, Nova Guiné, Vanuatu, Nova Caledônia, Fiji e Ilhas Salomão. O trabalho cresceu e chegou a reunir quatro mil pessoas. Florence pregava como podia, em um dialeto baseado no inglês, valendo-se de ilustrações. Até um casulo de borboleta foi usado para explicar a ressurreição do Messias!
Assim, em 1886, nasceu a Missão Kanaka de Queensland (QKM, a sigla em inglês), uma igreja independente que se espalhou por outras fazendas, priorizando sempre o ministério entre os trabalhadores melanésios. Aquela comunidade evangélica mantinha vários missionários e chegou a contabilizar mais de duas mil conversões. Muitos dos trabalhadores, eventualmente, voltavam às suas terras de origem. Quando partiam, Florence costumava exortá-los, dizendo: Não se esqueçam de Jesus.
Mar do Sul – A partir de 1891, Florence passou a se dedicar ao trabalho missionário na China, um momento de seu ministério que ela considerou como preparatório para a etapa que se seguiria. Em 1900, durante a Guerra dos Boxers, a revolta de nacionalistas chineses contra a dominação estrangeira, ela retornou à Austrália. Naquela época, os cristãos australianos estavam preocupados com os convertidos que haviam partido para as ilhas da Melanésia. Eles consideravam a possibilidade de se estabelecer nos arquipélagos, a fim de consolidar as igrejas ali formadas por convertidos egressos das fazendas australianas. Com isso, em 1904, Florence criou a Missão Evangélica do Mar do Sul (SSEM, a sigla em inglês).
Naquele ano, a missionária seguiu com uma equipe de obreiros para Malaita, a maior do arquipélago das Ilhas Salomão, com o objetivo de implementar a primeira base da missão. A princípio, as dificuldades que se apresentaram, foram enormes, incluindo um surto de malária que atacou todos os missionários envolvidos no projeto. Florence voltou à Austrália, contudo um grupo permaneceu no arquipélago e, mais tarde, concluiu a construção da base da SSEM. O trabalho continuou crescendo, e a missionária fez várias viagens às ilhas ao longo das duas décadas seguintes, principalmente porque, em 1907, a Missão Kanaka de Queensland foi fechada. Devido a mudanças nas regras de recrutamento de trabalhadores melanésios, todos os fazendeiros foram obrigados a enviar seus assalariados de volta às suas terras de origem.
Daí porque as ações nas Ilhas Salomão se intensificaram, apesar dos grandes riscos enfrentados nas viagens (muito perigosas). Diversos obreiros deram suas vidas pela evangelização do arquipélago. Alguns morreram em meio a conflitos tribais; outros em tempestades e naufrágios; muitos foram vítimas da malária e de outras doenças para as quais não havia tratamento disponível nas ilhas. Mesmo assim, o trabalho avançava, inclusive pelas mãos de pregadores nativos.
Uma das conversões mais marcantes naquele período aconteceu em 1909. Havia um velho feiticeiro que vivia nas florestas de Malaita. Ele jamais havia tomado banho ou cortado o cabelo, e era conhecido por ser violento. Anos antes, havia cozinhado e comido a própria esposa. Seu filho fugira de casa quando o pai lhe pediu que esquentasse a água para cozinhar a própria mãe. O jovem seguiu para a Austrália, onde conheceu o Evangelho. Quando voltou a Malaita, permaneceu algum tempo na base missionária. Eventualmente, o rapaz começou a visitar o pai e depois o convidou para visitar os missionários. O homem aceitou o convite, ouviu a Palavra e, em um espaço de 15 dias, converteu-se a Cristo. Tomou banho e cortou os cabelos pela primeira vez: uma transformação total, interna e externa.
Florence Young continuou visitando as Ilhas Salomão até 1926, quando publicou sua autobiografia, Pearls from the Pacific (Pérolas do Pacífico, em tradução livre). Quando morreu, em 28 de maio de 1940, a SSEM contabilizava quase oito mil conversões no arquipélago. Atualmente, os cristãos evangélicos perfazem mais de 70% dos 700 mil habitantes das Ilhas Salomão. (*Com informações de Pearls from The Pacific, Christian History Institute e Australian Dictionary of Biography)