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Pesquisa aponta que as pessoas gastam, em média, uma hora por dia com fofocas, prática condenada pela Bíblia
Por Patrícia Scott
Falar da vida alheia é um costume antigo. Em sua primeira carta a Timóteo, Paulo condena essa prática, afirmando que ela estava sendo disseminada entre algumas mulheres da Igreja. Segundo o apóstolo, elas viviam ociosas, andavam de casa em casa, eram paroleiras – fofoqueiras, em algumas versões bíblicas –, curiosas e falavam coisas inconvenientes (1 Tm 5.13).
Dois mil anos depois, esse hábito continua muito comum: uma pesquisa promovida em 2019 nos Estados Unidos mostrou que, em média, as pessoas gastam uma hora (52 minutos) por dia com fofoca. O estudo, realizado por cientistas da Universidade da Califórnia, reuniu 467 voluntários. Eles usaram gravadores portáteis no corpo, os quais registraram partes aleatórias de suas conversas por um período de dois a cinco dias. Para a sondagem, foram consideradas fofocas quaisquer falas sobre pessoas que não estivessem presentes no momento do registro. Apesar do tempo gasto comentando acerca do outro, os pesquisadores notaram que apenas 15% dos diálogos continham comentários negativos. A maior parte das falas, portanto, foi considerada pelos estudiosos como positiva ou neutra, pois não apresentava conteúdo depreciativo sobre o “alvo” das conversas.
A psicóloga Rosângela Ribeiro Pinto Paschoal afirma que a fofoca, quando tem o objetivo de difamar, diminuir ou manchar a imagem daquele que é o centro do assunto, mascara motivações inconfessáveis do fofoqueiro. Isso porque é mais fácil observar os erros e os defeitos evidentes no outro do que olhar para dentro de si e assumir as próprias falhas. “Enquanto toma conta da vida alheia, a pessoa não olha para as suas questões”, explica a especialista, elencando alguns fatores que podem estimular tal ação: curiosidade, baixa autoestima, inveja, imaturidade, insegurança, medo e vingança. “A fofoca evidencia as fraquezas de quem a conta. É uma forma de projeção, um mecanismo de defesa no qual é atribuído ao outro os sentimentos ou comportamentos que não aceitamos ou desconhecemos em nós”, analisa, lembrando que a prática somente acontece porque há ouvidos dispostos a dar-lhe atenção.
Por sua vez, a psicóloga Alessandra Augusto assevera que o hábito de fofocar é um problema que começa no ambiente familiar, onde são ministrados os primeiros ensinamentos sobre certo e errado. “O indivíduo que cresceu em um ambiente de fofocas dificilmente perceberá essa ação como errada e nociva. Ele a entenderá como algo natural.” De acordo com a especialista, a fim de mudar esse comportamento, a pessoa precisaria adquirir uma nova percepção dessa prática, passando a entendê-la como prejudicial para os relacionamentos interpessoais. A seguir, o fofoqueiro teria de avaliar as consequências advindas de suas ações, como perdas e conflitos. Alessandra acrescenta que, a depender do caso, pode ser necessária a ajuda de um profissional. “Existem exercícios dentro da Psicologia Comportamental que podem auxiliar essas pessoas. É preciso dar um passo de cada vez. É o princípio de que: ‘só por hoje, não falarei de ninguém’.”
Malefícios da fofoca – Na opinião do psicólogo Marcelo Coelho, aqueles que desejam abandonar esse costume devem, a princípio, executar pequenas ações, como: nunca falar de uma pessoa que não esteja presente, colocar-se no lugar do outro e evitar quaisquer tipos de comentários maldosos. Isso vale tanto para aquele que ouve quanto para quem participa e gosta do mexerico. “É preciso compreender que hoje o fofoqueiro fala mal de alguém para você. Mas a próxima vítima poderá ser você.”
Coelho enfatiza que a fofoca fere a ética das relações, destrói reputações e mantém um relacionamento fundamentado em mentiras e na imprecisão dos fatos. “Não acredito que haja benefícios em tal prática já que ela afasta os indivíduos”, ressalta o especialista, avaliando que há falha de caráter em quem vive a falar dos outros. “Por mais que o fofoqueiro tente desfocar de si, ele acaba revelando quem é e do que é capaz de fazer ou falar.”
O Pr. Sérgio de Sousa, da Assembleia de Deus Ministério do Belém, na Lapa, zona oeste de São Paulo (SP), concorda com Marcelo Coelho e lembra que quem é dado a fofocas, geralmente, é movido por inveja, orgulho, sentimento de inferioridade ou pelo prazer de manchar a imagem alheia. Sousa destaca que tais elementos estão presentes em diversos exemplos bíblicos, os quais salientam os malefícios dessa prática. O pregador cita o caso de Davi, que foi uma vítima da fofoca. “Doegue [o edomeu] informou a Saul que viu o filho de Jessé com o sumo sacerdote Aimeleque. A atitude resultou na morte de 85 sacerdotes do Senhor em Nobe [1Sm 22.18]”, aponta o ministro assembleiano, enfatizando que o próprio fofoqueiro, Doegue, matou-os por ordem de Saul. “Eles sabiam que a Lei de Deus proibia fazer mal aos ungidos do Senhor.”
Sérgio de Sousa menciona outra passagem bíblica conhecida, a qual registra que os amigos de Daniel – Sadraque, Mesaque e Abede-nego – foram delatados perante o rei Nabucodonosor por não adorarem a estátua do monarca (Dn 3). O pastor também destaca que o próprio Jesus foi alvo de fofocas. “O Senhor era chamado de bebedor de vinho, comilão, amigo de publicanos e pecadores.”
Ciente de que o problema pode afetar as igrejas, Sérgio de Sousa cita as palavras de Paulo mencionadas em 2 Timóteo 2.15,16: Procura apresentar-te a Deus aprovado, como obreiro que não tem de que se envergonhar, que maneja bem a palavra da verdade. Mas evita os falatórios profanos, porque produzirão maior impiedade. Na visão do pregador, as lideranças devem ser modelos desse princípio. “Não adianta somente ensinar ou pregar. É preciso testemunhar a partir das atitudes cotidianas para que a Igreja seja admoestada pelo exemplo”, argumenta.
Cortando o mal – O Pr. Jurandyr Costa, da Igreja Internacional da Graça de Deus (IIGD) em Zumbi dos Palmares, Manaus (AM), lembra que a língua pode gerar vida ou morte, conforme Salomão diz em Provérbios 18.21: A morte e a vida estão no poder da língua; e aquele que a ama comerá do seu fruto. “Ou seja, haverá consequências a partir da utilização desse órgão. Por isso, o cristão precisa vigiar e não se relacionar com fofoqueiros”, expõe o ministro, citando novamente o rei Salomão: Estas seis coisas aborrece o Senhor, e a sétima a sua alma abomina: […] língua mentirosa […] que profere mentiras, e o que semeia contendas entre irmãos (Pv 6.16,17,19).
Segundo Costa, as lideranças evangélicas devem tratar desse assunto com muita seriedade, cortando o mal pela raiz, para que esse problema não se prolifere nas igrejas. O líder lembra a advertência divina registrada por Moisés em Êxodo 23.1: Não admitirás falso rumor e não porás a tua mão com o ímpio, para seres testemunha falsa. “É preciso pregar sobre isso nos cultos. Essa prática não agrada a Deus, pois arruína relacionamentos à medida que a discórdia é inevitável diante de comentários maldosos, mentirosos ou distorcidos.”
Professor de Teologia na Faculdade Evangélica de São Paulo (FAESP), o Pr. Lucas Gomes lembra que o Livro Sagrado é bastante enfático sobre o uso da língua. Em Mateus 12.36,37, Jesus adverte: Mas eu vos digo que de toda palavra ociosa que os homens disserem hão de dar conta no Dia do Juízo. Porque por tuas palavras serás justificado e por tuas palavras serás condenado. Ele também cita a carta de Tiago, na qual são utilizados 13 versículos do capítulo 3 para destacar o poder da língua e o mal que ela pode causar quando não é usada com sabedoria. “O apóstolo ensina que a língua contamina e incendeia o corpo. Sendo um órgão indomado, pode gerar bênçãos ou maldições”, frisa o pastor, acrescentando que quem não usa as palavras para louvar ao Senhor permite que a língua esteja à disposição do diabo. “Assim, pode haver morte espiritual e até mesmo física.”
De acordo com Lucas Gomes, é importante esclarecer que o hábito de fofocar demonstra imaturidade espiritual, expondo, assim, a necessidade de mudança de pensamento de quem a reproduz. “A genuína conversão passa pela transformação da mente. Por isso, o apóstolo diz que quando criança agia como tal, mas logo que cresceu e se tornou homem [adulto] acabou com as coisas de menino [1 Co 13.11].” Para o teólogo, a maturidade proporciona entendimento do que é certo e errado e das consequências de ambos. “Logo, o convertido a Jesus não pode ser instrumento de dano à vida, ao ministério e à igreja”, ressalta Gomes, mencionando as palavras do apóstolo Pedro em sua primeira carta: Porque quem quer amar a vida e ver os dias bons, refreie a sua língua do mal, e os seus lábios não falem engano (1 Pe 3.10).