DISTANTE DE DEUS
14/10/2024FONTE DE BÊNÇÃOS
15/10/2024CHEIOS DE OUSADIA
Em um mundo cada vez mais secularizado, cristãos enfrentam a timidez e o preconceito para compartilhar a mensagem de Jesus
Por Marcelo Santos
Rosângela Célia Basile, 60 anos, nunca imaginou que, um dia, estaria em uma praça pregando o Evangelho de Jesus sem medo de qualquer oposição. Com 1,50 m de altura, ela se agigantou quando foi confrontada por um rapaz de 1,90 m que tentava atrapalhar o trabalho evangelístico realizado por ela em um domingo de manhã, na Praça da República, no Centro de São Paulo (SP).
A profissional da área contábil e com experiência como executiva de empresas é intrépida para anunciar a Palavra que mudou a vida dela há quase 20 anos: “A Bíblia revela em Atos 4.29: Agora, pois, ó Senhor, olha para as suas ameaças e concede aos teus servos que falem com toda a ousadia a tua palavra. O Espírito Santo é quem nos dá sabedoria, coragem e ousadia”, afirma a evangelista.
A reportagem de Graça/Show da Fé estava presente quando aquele rapaz, que tentara tumultuar o evangelismo, acalmou-se diante da Palavra firme e da fé da serva de Deus e deixou o local constrangido.
O exemplo de Rosângela pode e deve ser copiado. No entanto, um dos grandes obstáculos enfrentados pelos cristãos atualmente é vencer a timidez para compartilhar a fé em Cristo, sem receio, em um mundo cada vez mais distante dos padrões bíblicos. Nesse contexto, em que expressar crenças religiosas pode resultar em preconceito e discriminação, muitos optam pelo silêncio. A sociedade moderna valoriza a individualidade e, em muitos casos, a expressão de uma fé tradicional pode ser vista como retrógrada ou intolerante, destaca o Relatório Sustainability: Exploring Faith and Sustainability, um estudo realizado pelo Instituto Internacional de Liderança da Fé (IIFL, a sigla em inglês), do Reino Unido.
De acordo com a pesquisa, divulgada em maio deste ano, quase 40% dos cristãos ingleses preferem não dar publicidade à fé em Cristo. “Não vejo isso acontecendo no Brasil, um país no qual as pessoas costumam ser mais expansivas. Mas precisamos estar preparados para enfrentar esses desafios”, comenta Rosângela, que é líder do grupo de evangelismo na sede estadual da Igreja Internacional da Graça de Deus (IIGD) na avenida São João, no Centro da capital paulista. “Todos têm o chamado de levar a mensagem de Jesus, mas uns têm de maneira especial, específica. Antes de evangelizar, nós nos consagramos, oramos, jejuamos e pedimos ao Espírito Santo que nos dê as palavras certas e nos ajude a falar.”
Diferenças geracionais – O estudo do IIFL aponta ainda que os motivos para a falta de evangelismo pessoal variam do receio de julgamentos à preocupação com a crescente secularização da sociedade: Muitos cristãos sentem que expressar sua fé publicamente pode resultar em discriminação ou ostracismo. O documento destaca também que, em muitas sociedades, há uma pressão constante para se conformar às normas seculares, o que pode sufocar a expressão religiosa.
Entretanto, os resultados do levantamento não se limitam aos cristãos ingleses. Uma pesquisa divulgada pelo instituto norte-americano Barna Group mostrou que a evangelização e a expressão pública da fé variavam consideravelmente entre diferentes gerações. Quase metade dos jovens cristãos (47%) da geração Y (os chamados millennials, nascidos de 1981 a 1995) acredita que tentar converter outras pessoas ao cristianismo é errado. Muitos jovens veem a evangelização como uma imposição de crenças e, por isso, preferem uma abordagem mais sutil, baseada em ações e exemplos. Eles querem ser autênticos em sua fé, mas não querem ser vistos como invasivos ou desrespeitosos, comenta David Kinnaman, presidente do instituto.
A sondagem do Barna Group demonstra a disparidade entre o modo de pensar dos millennials e o de outras gerações: apenas 27% da geração X (de nascidos de 1965 a 1980) consideram errado evangelizar, indicando que são mais favoráveis ao evangelismo pessoal. Já os baby boomers (pessoas nascidas no Pós-Guerra, de 1946 a 1964), mostram uma atitude ainda mais positiva em relação à propagação do Evangelho: somente 19% dessa geração – que cresceu em um período em que a expressão religiosa era mais comum e socialmente aceita – julga que evangelizar é errado.
Na opinião do Pr. Daniel Coutinho Guedes, da IIGD em Diadema (SP), falta treinamento de evangelismo aos crentes. “Deus não nos deu espírito de medo, e sim de ousadia e equilíbrio”, afirma Guedes, que é professor de Capelania na Academia Teológica da Graça de Deus (Agrade). Segundo ele, só é possível vencer a timidez pelo exercício evangelístico. “Nossa intenção é nos preparar não apenas na questão teórica, mas também na prática. Sempre destacamos situações-problema, de ética, de confidencialidade, e procuramos treinar as pessoas em sala de aula”, conta o pregador, assinalando que exemplos reais são abordados nas classes.
Convertido em 2015, após enfrentar problemas com drogas, Daniel encontrou no evangelismo um caminho de transformação pessoal. Formado em Gastronomia, ele tem conectado o conhecimento acerca dos elementos que nutrem o corpo ao alimento do espírito, a Palavra de Deus: “Trabalho com uma estratégia que une as duas coisas”.
Timidez e desafios – Além de vencer as barreiras pessoais, como a timidez, os cristãos enfrentam desafios sociais e culturais ao evangelizar. Em muitas partes do planeta, há uma crescente pressão para que a fé seja encarada como uma questão privada, que deve estar distante do espaço público. A pesquisa realizada no Reino Unido e dados colhidos em outros países evidenciam a urgência de abrir um diálogo acerca desse tema e, ao mesmo tempo, garantir que os servos de Deus possam expressar suas crenças sem medo de sofrer represálias.
O pastor e missionário João Carlos Batista, membro da Comunidade Cristã Renovada, em São Paulo (SP), supõe que a dificuldade e a timidez no ato de pregar se devem, em grande parte, à falta de simplicidade na hora de repartir a Palavra. “Sempre me perguntavam como se evangeliza travestis. Eu respondia: É simples. Comece dando bom-dia, boa-tarde ou boa-noite e pergunte como a pessoa está”.
Mais conhecido pelo apelido João Boca, o missionário esteve, por quase três décadas, à frente da Missão Cena. Esta é uma das principais organizações evangélicas atuantes na Cracolândia, região do Centro da capital paulista onde há forte consumo de drogas e o tráfico de entorpecentes. “Enfrentei bastante hostilidade,” conta o servo de Cristo, complementando que um dia certo cidadão alto, forte e de aparência intimidadora quis afrontá-lo durante um trabalho na região. “O homem me perguntou por que estava olhando para ele. Na ocasião, até usava um cachimbo [de crack]. Então, eu lhe respondi: Não estou olhando para você, estou orando por você. Essa resposta o deixou sem reação. Deus é um Deus de estratégia, um Deus criativo”, sublinha o pastor.
O Pr. Guilherme Andrade Soares Rosa, responsável pelo culto da vida sentimental, às terças-feiras, na sede estadual da IIGD em São Paulo, aponta outro aspecto da timidez na evangelização. “Quando comecei na caminhada cristã, ao evangelizar, uma moça me fez uma pergunta, e eu não soube responder a ela. Depois, fui estudar a Palavra para obter a resposta. As pessoas se retraem na hora de falar do Evangelho devido ao pouco conhecimento bíblico”, opina o ministro. Ele frisa que, de acordo com as Escrituras, aquele que ganha almas é sábio: “Quem não quer também ganhar a família, um amigo, ou outra pessoa para Cristo?”, indaga Rosa, explicando que é necessário deixar a covardia de lado. “O medo anula a fé, e temos de ter coragem para fazer a obra de Deus”, conclui.