Teologia
01/12/2020Atualidade
01/12/2020Efeito terapêutico
Especialistas destacam o poder da música sobre a saúde física, mental e espiritual
Por Ana Cleide Pacheco*
Ouvir música foi a principal atividade de lazer dos brasileiros durante o isolamento social decorrente da pandemia do novo coronavírus. É o que revela uma pesquisa encomendada pelo Instituto Itaú Cultural e realizada pelo Datafolha. O levantamento mostrou que 84% dos entrevistados disseram que a audiência musical ocupou a maior parte do seu tempo nos dias de confinamento em casa, seguida de assistir a filmes e séries (73%), ver shows gravados ou transmitidos ao vivo pela web (60%).
A preferência por ouvir música não é obra do acaso, pois o ser humano tem uma estreita relação com ela desde a Antiguidade, e diversas pesquisas científicas têm mostrado as razões de tal predileção, uma vez que a musicalidade faz bem ao corpo e à alma. [Leia o quadro Sensação de bem-estar]
O contato com essa expressão artística é capaz de descarregar na corrente sanguínea uma grande quantidade de ocitocina, hormônio ligado às sensações de prazer e afeto, também conhecido como “hormônio do amor”. A musicista Mere Márcia Prado Bello, 57 anos, mestranda em Música pelo Seminário de Música do Sul do Brasil, destaca que outra substância química associada ao bem-estar, a serotonina, também é liberada quando ouvimos música. “Isso faz o indivíduo se sentir bem”, resume a especialista, dirigente do Ministério de Música da Primeira Igreja Batista em Niterói (RJ).
Mere Bello acredita que esse atributo tenha efeito terapêutico, acelerando processos de cura e, no caso da música cristã, fazendo com que entremos na presença de Deus. “Ela não é um fim, e sim um meio de levar as pessoas a Jesus, de integrá-las à igreja, de aproximá-las. A Bíblia nos fala em ajustar o Corpo [Ef 4.16], para que sejamos um. Quando estamos ensinando ou ensaiando, vamos nos ajustando ao Corpo de Cristo.”
Mere nos lembra que a Palavra apresenta diversas referências à música. “O livro de Salmos é o hinário do povo hebreu, que cantava em todas as ocasiões, saindo de casa em direção ao templo, na escadaria e dentro do santuário. E isso, com alegria no coração, porque a música anima, conforta e cura.” [Leia o quadro Momentos de louvor].
Efeitos perceptíveis – O compositor e maestro Joêzer Mendonça, 49 anos, ressalta a importância da música na Bíblia. Ele lembra que, nos Salmos – a maior coletânea de poemas das Escrituras – e em outras passagens, as letras das canções servem para rememorar o poder e o cuidado divinos. “Expressam também o louvor e a gratidão do povo. Do Cântico de Moisés, em Êxodo [capítulo 15.1-18], até o Cântico do Cordeiro, em Apocalipse [5.9,10], observamos uma trilha sonora que percorre toda a narrativa”, explica ele, que é professor de Música da Pontifícia Universidade Católica do Paraná, atuante na área há 25 anos e autor de teses de mestrado e doutorado que têm como tema central a música cristã brasileira.
Por sua vez, o psicólogo Marcos André Torres Santos, 54 anos, mestrando em Ciências da Educação, não tem dúvidas dos atributos positivos da música. “Temos vivenciado isso na unidade hospitalar onde atuo, por meio de um projeto musical. A iniciativa tem sido referência no atendimento a pacientes diagnosticados com a covid-19”, relata ele, assinalando que os efeitos fisiológicos e psicológicos são perceptíveis, aliviando a alma e minimizando o sofrimento da hospitalização. “A música estimula o desenvolvimento de crianças em escolas, é curativa em grupos terapêuticos e pode ser usada em empresas para estimular o crescimento pessoal e profissional do colaborador.” Já no âmbito eclesiástico, o especialista afirma que os louvores funcionam como um canal de interlocução entre o adorador e Deus. “Isso faz com que o homem sinta a presença do Criador”, explica ele, membro e vice-presidente da Igreja Batista Central em Magé (RJ).
Conexão emocional – Para a musicista Patrícia Luna Rosa, 40 anos, a música é criação de Deus e tem o poder de fazer com que o indivíduo sinta Sua presença e se conecte com o Senhor, a Fonte de amor infinito. Líder de Adoração e Arte da Igreja Batista Central em São João de Meriti (RJ), Patrícia Rosa afirma que uma canção pode ou não ser executada mediante palavras, mas nela sempre se coloca muito da emoção do compositor e de quem a interpreta.
Patrícia lembra que vários fatores podem fazer com que a música crie uma conexão emocional com o ouvinte e sublinha que o cérebro é capaz de reagir rapidamente a ela. “Existem pessoas que tratam estados depressivos com música, que estudam ou fazem atividades físicas escutando música, a qual passa a ser um vetor de comunicação das emoções humanas, de acordo com a vibração harmônica a que a pessoa se expõe.”
Segundo a professora de canto Vivian Patrícia Câmara da Silva Veríssimo, 38 anos, a música é essencial para a humanidade. “Ela nos envolve e faz com que desenvolvamos outras inteligências. Para mim, ela é fundamental, pois tenho dedicado meus estudos a essa área, e o faço por amor.” Veríssimo afirma que, ao longo de todos esses anos, cantou nos momentos mais felizes e mais tristes de sua caminhada, nas cerimônias mais importantes de sua família e de amigos, e para os seus filhos durante a gravidez: “Até hoje, canto para eles”, destaca a docente, membro da Comunidade do Rei, em São Gonçalo (RJ), município da região metropolitana do Rio de Janeiro, onde atua na equipe de música e intercessão.
Cura divina – A cantora Izabela Ryos, 20 anos, também tem se dedicado integralmente à música. Contratada pela Graça Music, ela acredita que essa é a essência da sua alegria. “Canções têm o poder de quebrantar o espírito e nos conectar ao Criador, proporcionando um enlevo espiritual.” Ela conta que, durante a pandemia da covid-19, recebeu o testemunho de uma pessoa acometida pelo novo coronavírus. “Em suas crises respiratórias, colocava um celular tocando minhas canções por baixo de seu travesseiro, e isso a confortava. Ela foi curada! Foram muitos outros relatos! Isso é gratificante.”
O ministro de louvor Fabiano Lopes Lessa,44 anos, da Igreja Bom Pastor de Philadelphia, em Araruama (RJ), concorda com Izabela Ryos. “Quem é levita sabe que é uma honra ser um canal de Deus.” Ele conta que, certa vez, estava na igreja, no domingo, dirigindo a música congregacional, e teve uma experiência que o marcou profundamente. “A equipe de louvor estava tocando e adorando de forma incrível. No final do culto, uma pessoa me parou e disse que havia sido curada de uma dor de ouvido, enquanto ministrávamos. Fiquei bastante feliz por ser um canal de bênção naquela vida”, pontua o ministro. “Deus é tremendo, e adorá-Lo é meu maior prazer. Sei que o louvor alimenta a alma, cura os enfermos e liberta os oprimidos.”
O poder curativo da música alcançou o pastor e cantor Tiago Peres, da Graça Music, o qual ficou internado, durante 20 dias, com 50% dos pulmões comprometidos pela pneumonia viral causada pela covid-19. “Quando cheguei ao hospital, peguei a segunda pneumonia bacteriana, que tomou 25% do pulmão. Fiquei com enorme dificuldade de respirar e não conseguia fazer coisas simples, como dormir de bruços”, recorda-se ele, que foi entubado em 24 de maio. “Clamei por forças do Pai para me manter vivo e, assim, poder cuidar da minha família”, assinala o cantor, fazendo menção ao texto de Hebreus 11.34, que veio à sua memória: Apagaram a força do fogo, escaparam do fio da espada, da fraqueza tiraram forças, na batalha se esforçaram, puseram em fugida os exércitos dos estranhos.
Em 31 de maio, Peres, desentubado três dias antes, lembrou-se de que tinha um celular e poderia entrar em contato com a família. Sentia-se bem fraco e com falta de ar. “Os médicos tentavam reduzir o suprimento de oxigênio. Eu reagia bem de dia, mas, à noite, minha respiração voltava a piorar.” Ele assinala que, após idas e vindas, melhorou um pouco e pôde ser transferido para o tratamento semi-intensivo, em 4 de junho. “Quando cheguei, as enfermeiras ficaram felizes, porque havia recebido alta do CTI. Elas colocaram o equipamento de oxigênio onde eu dormiria e avisaram que, na manhã seguinte, a médica faria uma visita. Assisti ao SOS da Fé, orei e dormi. No outro dia, a especialista foi me ver e, ao consultar a parte da oxigenação, achou algo muito estranho e saiu por uns 15 minutos. Ao retornar, perguntou se eu havia sentido falta de ar. Respondi negativamente, e ela disse: A gente se esqueceu de ligar o oxigênio, e você dormiu com ele desligado. Ali eu vi Deus operando.” No entanto, como o nível de saturação de oxigênio no sangue estava abaixo do recomendado (o ideal é maior que 94%), o aparelho foi religado. “Quando fazia os exercícios, como me levantar da cama, ficava ofegante”, lembra-se.
No dia 6 de junho, a história da internação de Tiago Peres mudaria totalmente. Uma fisioterapeuta, membro da Igreja Internacional da Graça de Deus, que trabalhava perto da unidade em que ele estava internado, foi visitá-lo. “Senti que deveria dizer à coordenação e ao grupo de fisioterapeutas do qual faço parte algo que Deus colocou no meu coração. Falei para eles que o Pr. Tiago só melhoraria e voltaria a respirar bem quando começasse a cantar.”
Naquele momento, Peres sentia a respiração fraca, porém disse: “Não estou forte ainda, mas, se Deus falou, seja o que Ele quiser”. A moça saiu da sala, no entanto, antes, deixou uma cópia do livro Medo: feche esta porta, do Missionário R. R. Soares. Em seguida, veio outra fisioterapeuta dizendo que o exercício daquele dia seria diferente. “Vou colocar você para cantar, porque sei que é seu trabalho, sua missão.”
Tiago Peres argumentou que sua voz não estava boa e que sentia falta de ar, porém, mesmo assim, acatou o pedido da profissional de saúde. “Ela me colocou de pé. Estava ofegante e ficava puxando o ar.” Ele ressalta que ela pediu que cantasse. O cantor se lembrou do hino Porque Ele vive e começou a entoá-lo, com a voz trêmula: Porque Ele vive, posso crer no amanhã / Porque Ele vive, temor não há.
A fisioterapeuta, emocionada, interrompeu-o e pediu que gravasse aquele momento. “Quando cantei mais uma vez, parecia que, dentro de mim, toda aquela área que tremia se soltava. Quando cantei de novo a parte do refrão que diz que a minha vida está nas mãos de meu Jesus, que vivo está, ela abriu a persiana da janela e sugeriu que eu olhasse para fora. À medida que eu cantava, conseguia puxar o ar que faltava antes”, testemunha o pregador, informando que, algumas horas depois, ele foi avisado de que iriam retirar o oxigênio, porque não seria mais necessário. “Aí vejo como a música tem o poder de curar, acalmar e trazer paz. Entendo que Deus a usou para fortalecer minha respiração, era exatamente o que faltava para a recuperação do meu corpo”, avalia Peres, que teve alta quatro dias depois de voltar a louvar ao Senhor. (*Colaborou Cleber Nadalutti)
SENSAÇÃO DE BEM-ESTAR
Uma pesquisa da Academia Britânica de Terapia do Som (BAST, a sigla em inglês) revelou o poder da música sobre o humor. O estudo, denominado Music as medicine (em português, música como remédio), da BAST, e encomendado pelo serviço de streaming de áudio Deezer, ouviu mais de sete mil pessoas. O objetivo era verificar a relação entre música e bem-estar. Os cientistas deveriam determinar a dose diária recomendada de música (DDR musical) para garantir benefícios à mente e ao corpo.
Assim, de acordo com o estudo, uma pessoa precisa ouvir (ao todo, 78 minutos diários):
- 14 minutos de músicas inspiradoras para se sentir feliz (18% da DDR musical);
- 16 minutos de música relaxante para se acalmar (20,5% da DDR musical);
- 16 minutos de música para superar a tristeza (20,5% da DDR musical);
- 15 minutos de música ritmada (motivacional), para ajudar na concentração (19% da DDR musical);
- 17 minutos de música para lidar com a raiva (22% da DDR musical).
(Fonte: Chief Marketing Officers Magazine)
MOMENTOS DE LOUVOR
A Bíblia faz diversas alusões à música. Em Gênesis 4.21, a Palavra informa que Jubal, filho de Lameque, foi o pai de todos os que tocam lira e flauta. O nome Jubal, que, em hebraico, significa chifre de carneiro, refere-se a uma corneta feita com essa parte do animal, o shofar, instrumento popular entre os israelitas.
Durante a peregrinação no deserto, o toque de trombetas, feitas de metal, seguindo instruções dadas pelo próprio Deus, comunicavam as atividades do acampamento, assembleias, guerras e celebrações (Nm 10.3-10).
Os cânticos eram muito presentes entre o povo. Em Deuteronômio 31.19-22, Deus ordenou a Moisés que escrevesse e ensinasse um cântico aos filhos de Israel, para que eles se lembrassem do que o Senhor havia feito por eles.
Em 1 Samuel 18.6, as mulheres celebraram a vitória de Saul e Davi, cantando e em danças, com adufes, com alegria e com instrumentos de música. No Antigo Testamento, a música também estava relacionada à ação sobrenatural de Deus. Por esse motivo, Davi foi convidado a tocar harpa para Saul (1 Sm 16.14-23); o profeta Elias pediu que tocassem diante dele para que recebesse inspiração divina (2 Rs 3.15). Além disso, alguns grupos de profetas se reuniam para tocar, cantar e profetizar (1 Sm 10.5). A singularidade da música para os hebreus é evidente nos Salmos: são 150 poemas que eram cantados em diversas ocasiões.
No Novo Testamento, a música também tinha relevância entre os cristãos. Jesus e Seus discípulos cantaram um hino, provavelmente um salmo, após a instituição da Santa Ceia (Mt 26.30). Paulo e Silas cantaram louvores na prisão (At 16.25). O apóstolo Paulo nos exorta a louvar a Deus com salmos, e hinos, e cânticos espirituais (Cl 3.16).
(Fontes: Ultimato e Música Sacra e Adoração)