Família – 269
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01/02/2022Impactos duradouros
O número de crianças e adolescentes com ansiedade e depressão aumentou durante a pandemia
Por Ana Cleide Pacheco
A pandemia da covid-19 certamente será lembrada no futuro como um dos momentos mais desafiadores da História humana. Não apenas pelos milhões de vidas ceifadas ao redor do mundo, mas também por todos os seus desdobramentos. Uma crise sanitária dessa proporção deixa marcas profundas naqueles que a vivenciam, nem mesmo as crianças ficam ilesas.
Um estudo liderado por pesquisadores ligados à Universidade de São Paulo (USP) monitorou a saúde mental de sete mil menores, com idades de cinco a 17 anos, durante a pandemia, de junho de 2020 a junho de 2021. O levantamento avaliou, por meio de questionários, os impactos da doença na saúde dos participantes, e evidenciou que um em cada quatro menores apresentou sinais de ansiedade e depressão, necessitando de ajuda profissional. O estresse foi apontado como a mola propulsora dos problemas de ordem emocional e comportamental. Os menores mais afetados foram aqueles membros de famílias nas quais a ansiedade, o estresse e a depressão se manifestaram entre os adultos.
O coordenador do estudo, o Profº Guilherme Polanczyk, destaca que os transtornos mentais são bastante impactantes quando ocorrem na infância e na adolescência. Segundo ele, não só porque causam prejuízos nessas etapas do desenvolvimento, mas também por suas consequências a longo prazo. De acordo com o pesquisador, entre adultos com transtornos mentais, quase 50% já apresentavam sintomas antes de completar 18 anos. Estamos falando do futuro da nossa nação, salientou o especialista, em audiência pública sobre o tema, realizada em junho, na Câmara dos Deputados.
A psicóloga Simone Gonçalves de Souza, 48 anos, explica que o isolamento social e a consequente suspensão das aulas presenciais estão entre as principais causas da deterioração da saúde mental dos pequenos. “Se pararmos para analisar o panorama, vamos entender o porquê desses números. Eles simplesmente perderam o direito de interagir, de estar em um ambiente que consideram de aprendizado e também de vivência, como é a escola. Deixaram de brincar, de viajar. Enfim, foram muitas perdas”, pontua.
Simone salienta, porém, que, em diversos casos, a pandemia apenas precipitou o agravamento de quadros de ansiedade, estresse e depressão já existentes. “Havia aquelas crianças e aqueles adolescentes mais vulneráveis que, de certa forma, passavam por algum tipo de fragilidade. Mas, mesmo os que tinham certa resiliência, vieram a ter problemas devido à pandemia.” Ela pontua que agora as famílias precisam olhar, com redobrado cuidado, para os menores. Suas atitudes podem estar sinalizando a necessidade de receber acompanhamento especializado com psicólogo, psiquiatra ou ambos. “Como profissional de saúde mental, aconselho os pais a ficarem mais atentos ao comportamento dos filhos e a não fecharem os olhos para nenhum tipo de atitude diferente daquela que sempre tiveram.” [Leia, no final desta reportagem, o quadro Sinais importantes]
“Saber ouvir” – A psicóloga Maria da Silva Castro, 45 anos, concorda com Simone Gonçalves de Souza. “As crianças, em especial, foram as mais atingidas nesse período, tanto pelo isolamento e pela falta de socialização, quanto pelo medo da morte, já que eram submetidas a essas informações diariamente. Mas vale sublinhar que quadros de estresse, ansiedade e depressão já atingiam muitas delas.”
Membro da Igreja Internacional da Graça de Deus (IIGD) no bairro Cidade de Deus, em Manaus (AM), Castro acredita que acolhimento e escuta afetiva são ferramentas valiosas nesse contexto. “Acolher e aconselhar são práticas terapêuticas, mas nem todos sabem como conduzi-las. É importante, para elas, porém isso deve ser feito com atenção”, recomenda a especialista. Ela sugere que os conselheiros façam cursos de capacitação que ajudem as famílias a cuidar melhor das crianças e dos adolescentes. “Em primeiro lugar, é preciso saber ouvir e, quando necessário, intervir, sem julgar. Muitos estão vulneráveis e ligados às tecnologias, o que os faz conversar pouco com os pais, não ter amigos e ficar perdidos dentro das próprias casas”, orienta a psicóloga.
Ao avaliar o quadro pós-pandemia, a psicopedagoga Luciana Salemme, 45 anos, observa que, apesar de enfrentarem um grande desafio, as famílias estão mais abertas a buscar ajuda especializada quando orientadas a fazê-lo. No passado, a resistência era bem maior, segundo ela. “Percebo que elas têm buscado esse apoio para seus filhos, quando eles apresentam transtornos emocionais ou no aprendizado.”
A profissional ressalta ainda a importância de as instituições de ensino se envolverem no processo de recuperação da saúde mental dos pequenos. “Acredito que a escola pode desenvolver projetos sobre a conscientização de questões emocionais, como depressão, suicídio infantil e bullying”, enumera Salemme, indicando que esse trabalho deve ser feito de modo acolhedor, ouvindo crianças, adolescentes e as famílias. “Fazer todos participarem e estarem engajados é um caminho que deve ser pensado. Assim, esse papel não fica somente com o professor, mas também com todos os envolvidos no espaço escolar”, explica a especialista, que congrega na Igreja Evangélica Tabernáculo de Deus de Vila Vitória, em Santo André (SP).
A Profª Samanta Albuquerque Amorim Ferreira, 41 anos, lembra que a educação está pautada na Base Nacional Comum Curricular (BNCC), que prevê o desenvolvimento de habilidades e competências para a formação socioemocional, atitudes e valores para resolver questões do cotidiano. E, portanto, dentro dessa visão, os docentes precisam estar preparados para transformar o medo deixado pela pandemia em oportunidade de progresso emocional para todos. Na opinião dela, nos últimos anos, a educação sofreu muitas mudanças, e o cuidado com a saúde mental se tornou um assunto mais relevante a ser debatido nas escolas. “Isso antes da covid. Então, partindo da premissa de que educar é ‘aprender a aprender’, nós, educadores, podemos tornar essa dificuldade em ferramenta de colaboração, para ajudarmos uns aos outros a vencer barreiras e promover educação de qualidade.”
Vínculo afetivo – A psicóloga Cleide Oliveira Morais Sobreira, 49 anos, frisa que as mudanças impostas pelo isolamento fizeram os pequenos “mergulharem de cabeça” no ambiente virtual. “As crianças, mesmo antes da pandemia, já estavam se envolvendo com as redes sociais, com os jogos eletrônicos e outros entretenimentos da internet. Com o distanciamento, passaram a usar esses mecanismos como fuga, porque foram privadas do convívio social.”
Apesar de ter havido a flexibilização de quase todas as medidas restritivas ao longo de 2021, muitas crianças se recusaram a retornar às aulas, um fenômeno que alguns especialistas chamam de síndrome da gaiola – uma analogia ao comportamento de aves que passam bastante tempo em cativeiro e não saem mesmo quando a portinhola é aberta.
Em razão de todas essas mudanças, é necessária, segundo Cleide Sobreira, uma articulação de escolas e famílias e de diversos setores, a fim de ajudar a equacionar o problema gerado por tanto tempo de isolamento. “A sociedade precisa estar envolvida, buscando soluções, tanto na questão do acolhimento, como na de investimentos na saúde mental dos pequenos.”
A educadora cristã Vanessa de Magalhães Gonçalves Silva, 38 anos, especialista em Neurociência, acredita que, entre os diversos setores da sociedade, as igrejas também devem saber agir no enfrentamento das consequências psicológicas da crise sanitária. “Se precisarmos manter as restrições por mais algum tempo, de quais estratégias vamos lançar mão? E isso em vários aspectos: o culto, a interação, a educação bíblica”, questiona.
Membro da Igreja Missionária Evangélica Maranata de Irajá, zona norte do Rio de Janeiro (RJ), Vanessa aponta que os profissionais de tecnologia estão desenvolvendo vários recursos digitais que facilitam a interação on-line, mas que nenhum tipo de contato via tela substituirá o toque, o olhar e o abraço. “Crianças necessitam de vínculo afetivo com seus pares, família e amigos. E é essencial que a igreja avalie bem esse contexto a fim de reduzir os impactos dos níveis de estresse. Estamos caminhando e já avançamos muito, entretanto sabemos que temos um longo percurso a trilhar e temos a certeza de que Deus está nos conduzindo e nos capacitando.”
A Profª Patrícia Coelho Vieira da Silva, 42 anos, crê que as comunidades cristãs podem ser relevantes no processo de recuperação da saúde mental de crianças e adolescentes, pois têm um amplo repertório de atribuições. Além de serem locais destinados ao estudo bíblico, são espaços de socialização e de vivências. “A Igreja deve ser uma influenciadora na vida dos pequenos e ter um olhar atento e sensível para o explícito e o implícito na subjetividade deles, que, com gestos sutis, podem estar ecoando um grito de socorro”, informa a educadora, membro da Igreja Batista Ágape de Vila Pires, em Santo André (SP).
Na visão de Patrícia, as comunidades cristãs devem estar dispostas a assumir essa função de prestar socorro, resgatar, acolher, aconselhar e curar. “Mas vale frisar que, cabe aos pais levarem os pequenos aos templos, sendo facilitadores e promotores desse processo. Em Marcos 10.13, vemos que as crianças foram levadas a Cristo. Elas também precisam conhecê-Lo e construir uma relação com Jesus.”
Sinais importantes
Algumas mudanças de comportamento podem sinalizar que a criança ou o adolescente não está bem. Perceba as alterações, a fim de acolhê-los em suas necessidades e buscar ajuda especializada. Fique atento caso alguns destes sintomas aparecerem:
- Rosto triste, olhar sem brilho, aparentando cansaço permanente.
- Falta de vontade de brincar só ou acompanhada.
- Sonolência, cansaço e falta de energia.
- Irritabilidade sem razão aparente.
- Choro fácil, sensibilidade exagerada.
- Falta de apetite ou desejo excessivo de comer doces.
- Dificuldade para dormir.
- Medo de se separar da mãe ou do pai.
- Baixa autoestima e sentimento de inferioridade, especialmente, em relação aos amigos.
- Falta de atenção e baixo rendimento escolar.
- Incontinência urinária ou fecal, quando já era capaz, anteriormente, de controlar a eliminação de urina e fezes.
(Fonte: Tua Saúde e Pfizer)