Família – 269
01/12/2021Carta do Pastor à ovelha – 271
01/02/2022Ameaça ao idioma
A utilização da chamada “linguagem neutra” cria polêmica e poderá ser proibida nas escolas do país
Por Patrícia Scott
A proposta de criação da linguagem neutra tem movimentado discussões em todo o Brasil. Seus defensores pretendem impor, à revelia da evolução natural de qualquer idioma, uma nova forma de falar e escrever. A ideia é ir além dos gêneros feminino e masculino, na maioria dos casos expressos pelas vogais A e O respectivamente. Para os proponentes da linguagem neutra, a “linguagem binária” (aquela que se restringe aos dois sexos que existem na natureza) é uma expressão de preconceito porque não contempla todos os gêneros supostamente existentes.
Até o Museu da Língua Portuguesa (MLP), uma das principais instituições culturais responsáveis pela preservação do idioma, aderiu à moda. Localizado na Estação da Luz, no centro histórico de São Paulo, o MLP foi reaberto ao público, mais de quatro anos após um incêndio, ocorrido em dezembro de 2015. Dias antes da reabertura, em julho de 2020, a instituição publicou, em suas redes sociais, uma mensagem convidando todos, todas e todes para a reinauguração.
A linguagem neutra também já chegou a algumas escolas. Em novembro de 2020, uma tradicional instituição de ensino particular da cidade do Rio de Janeiro, o Liceu Franco-Brasileiro, comunicou às famílias que substituiria a expressão queridos alunos por querides alunes, contrariando frontalmente o que reza a norma culta da língua. Outra escola particular, na cidade de Passo Fundo (RS), do mesmo modo adotou a linguagem dita “não binária” na comunicação com pais e alunos. As mensagens trazem a letra X em lugar de A ou O, por exemplo, alunxs – uma invencionice sem qualquer respaldo linguístico.
A “linguagem neutra” tem muitos críticos, os quais lembram que esse tipo de mudança nada tem de produtiva e atenta contra a norma culta do português, um idioma milenar. Para frear o avanço desse tipo de “novidade”, que muita gente considera um ataque ao vernáculo, vários projetos de lei estão em tramitação pelo Brasil. Um deles é o PL 2650/2021, apensado ao PL 173/2021, o qual veda o uso da “linguagem neutra” em escolas públicas e particulares de todo o país, e está em tramitação na Câmara dos Deputados.
A proposta adiciona ao artigo 26 da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996 (a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional), o seguinte trecho: Fica vedada às escolas públicas e privadas a utilização de linguagem neutra em todos os seus materiais didáticos e documentos oficiais. O texto se justifica informando que a linguagem “não binária” é uma deturpação da Língua Portuguesa que […] tem sido utilizada por algumas poucas escolas em seus documentos e até mesmo na comunicação com os alunos. O projeto diz ainda que não é aceitável que essa ilegítima invenção seja reproduzida justamente no local onde os estudantes deveriam aprender a utilizar a Língua Portuguesa de acordo com as regras gramaticais.
Outras propostas do Legislativo Federal buscam preservar o idioma nacional. O PL 5248/2020, por exemplo, estabelece para todos os estudantes brasileiros o direito ao aprendizado da língua portuguesa de acordo com a norma culta e orientações legais de ensino. Já o PL 211/2021 veda o uso, o ensino e o fomento do dialeto neutro na grade curricular, em materiais didáticos, em editais de concursos públicos e em outros documentos oficiais.
Além disso, nas assembleias legislativas de 14 estados, já foram apresentadas propostas que impedem o uso desse recurso nas escolas. Em alguns entes federativos, como Rondônia, é proibido, desde outubro, o uso de linguagem neutra nas instituições de ensino graças à sanção da Lei 5.123/2021. Em Pernambuco, está em discussão uma proposta que pretende aplicar multas de cinco mil reais, por aluno, às escolas privadas que usarem ou ensinarem esse tipo de linguagem. Em junho, o governo do estado de Santa Catarina editou um decreto que prevê a obrigatoriedade do uso da norma culta da Língua Portuguesa por instituições públicas e privadas de ensino e bancas examinadoras de concursos públicos.
Respeito ao próximo – A criação de uma linguagem “neutra” é totalmente desnecessária, segundo a Profª Nara Célia Batista de Santana de Araújo Santos, com formação em Letras. Ela explica que, na Língua Portuguesa, a neutralidade de gênero já existe e é utilizada, convencionalmente, no masculino. “Por exemplo, os convidados da festa: todos os gêneros estão embutidos nessa frase”, explica Nara Santos, a qual critica quem alega que o idioma é preconceituoso e machista porque exclui a comunidade LGBTQI+ (Lésbicas, gays, bissexuais, transexuais, travestis, transgêneros, queer, intersexuais, assexuais e mais). “Não concordo. A grande questão é a mente do ser humano, que é única, não o idioma. A mudança de mentalidade é o fundamento, a essência para uma mudança efetiva e eficiente.”
A psicopedagoga Carla Signes entende a importância da inclusão, mas discorda que o caminho para uma nação livre de discriminação seja uma mudança forçada do vernáculo. “Não vejo necessidade de interferência na língua escrita ou falada para a promoção de inclusão e quebra de preconceito. Entendo a luta dos excluídos, mas já existe um trabalho sendo desenvolvido na sociedade, como nas escolas, sobre respeito às diferenças”, observa a psicopedagoga, para quem uma mudança tão drástica na gramática afetaria com mais intensidade as pessoas disléxicas e os deficientes auditivos.
Mãe de um menino de 17 anos, a auxiliar de escritório Danielle Cardoso Costa, 38, também considera dispensável a utilização da “linguagem neutra” nas escolas. “A pessoa que muda de gênero pode se readaptar, e não conceitos serem mudados devido à escolha dela”, pondera Danielle, que é casada com o Pr. Daniel Costa, 43 anos, da Igreja Internacional da Graça de Deus (IIGD) em Cabuçu, em Nova Iguaçu (RJ). Ela assevera que mudar a Língua Portuguesa não irá assegurar o respeito pela orientação sexual de outras pessoas. De acordo com ela, o certo seria desde cedo, as crianças aprenderem, pela via do diálogo, a serem bons cidadãos e a não menosprezarem o semelhante em função da sexualidade. “É necessária a instrução do respeito ao próximo. Como seres humanos, somos todos iguais.”
Sem efeito – Para a professora de escola bíblica Caroline de Souza Almeida, existe uma ideia sendo propagada de desconstrução da identidade estabelecida por Deus para o ser humano. “Por isso, vê-se essa movimentação com foco em crianças e adolescentes. A questão é ideológica e mascarada de defesa dos excluídos. A intolerância não está na gramática, e sim no comportamento de cada um”, adverte ela, membro da Igreja da Graça no Centro de Indaiatuba (SP). Na opinião de Caroline, do ponto de vista educacional, a “linguagem neutra” só acarretará prejuízos, complicando ainda mais a aprendizagem do idioma em um país de 11 milhões de analfabetos. “Uma mudança como essa só pioraria ainda mais, criando um terceiro gênero linguístico, além do masculino e do feminino.”
Caroline de Souza Almeida alerta para a inversão de valores que tenciona perverter a verdade das Escrituras Sagradas. Por isso, segundo ela, a Igreja é tão importante, porque ministra a Palavra às crianças e aos adolescentes. “Podemos ensinar o correto, seguindo os parâmetros bíblicos. Dessa maneira, trazemos a luz do conhecimento cristão para cada um deles”, aponta ela, a qual lembra que os cristãos lançam mão de armamentos invisíveis. “Nossas armas não são carnais, e sim espirituais, conforme ensina o apóstolo Paulo [2 Co 10.4]. Então, é necessário estarmos firmes nas Escrituras, na oração e no jejum, sendo revestidos de toda armadura de Deus [Ef 6.11]”, ensina Caroline. Ela destaca que o papel da família é fundamental nesse processo de construção dos valores cristãos nas mentes infantis. “As escolas bíblicas são importantes, mas, se não houver ensinamento nos lares, o que a criança absorve na igreja se torna tão ínfimo que não alcançará o efeito que desejamos.”
Por tal motivo, a dona de casa Claudine Procópio da Silva, 48 anos, não perde a chance de ensinar à filha, Samara, 13 anos, os princípios contidos na Palavra. “Falo sobre o que agrada e o que desagrada ao Senhor, como também sobre os deveres dela como cristã”, pontua a mãe, casada com o pedreiro Jorcilei Pereira da Silva, 56 anos. Ao ser indagada sobre a implementação da “linguagem neutra”, a dona de casa considerou a iniciativa totalmente descabida. “As pessoas querem fazer cumprir todos os seus desejos sem limites. O certo virou errado, e o errado, o correto. E, muitas vezes, impõem conceitos que extrapolam o aceitável”, assinala Claudine, que congrega na IIGD em Cosmos, zona oeste do Rio de Janeiro (RJ).
Contra a Palavra – Já a Pra. Maria Marta Ramos Pinto, líder regional da Igreja da Graça em Itapecerica da Serra (SP), opina que a proposta de alteração do português não passa de uma tentativa de propagar uma ideologia a qual contraria os ensinos da Bíblia Sagrada. “O que acarreta sérios problemas na formação da identidade desses menores, que passa pela sexualidade”, assegura a líder, recomendando que a Igreja precisa se posicionar com sabedoria e entendimento, sem ataques aos movimentos favoráveis ao assunto. “A liderança precisa conscientizar crianças e adolescentes usando uma linguagem aberta e responsável, tendo como base a Palavra”, recomenda a pastora, que também é psicóloga.
O Pr. Helder Rogério de Castro Gonçalves, da Igreja da Graça do bairro Nacional, em Contagem (MG), concorda que o intuito desse tipo de iniciativa vai muito além do mero desrespeito ao idioma nacional. “Querem fazer crer que ninguém nasce homem ou mulher, conforme afirma a Palavra de Deus [Gn 1.27]. Divulgam que o ser humano é uma construção social e cultural. E, assim, abre-se uma brecha para deturparem a verdade do Senhor, fazendo os menores viverem fora dos princípios divinos.”
Na visão de Gonçalves, a liderança precisa conscientizar os cristãos a defender os seus direitos como cidadãos. Mas ele alerta que existem muitos crentes em Jesus que aceitam qualquer doutrina ideológica e a ela se submetem mesmo que esteja fora dos ensinamentos bíblicos. “Como Igreja, precisamos nos posicionar firmes na defesa da nossa fé”, ressalta, lembrando que a vida cristã pressupõe obediência ao Criador e ao Livro Santo. “Devemos estar no centro da vontade dEle. Assim, é necessário aceitar a forma com que fomos criados, pois Deus é perfeito. Os princípios do Altíssimo são imutáveis. Não defendemos o ódio. Pregamos o amor, a tolerância e o respeito, mas não podemos concordar com práticas que se chocam com os ensinamentos da Bíblia”, conclui.