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Pesquisa aponta que a maioria dos cristãos norte-americanos não adota uma cosmovisão totalmente bíblica
Por Patrícia Scott
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os avanços científicos e tecnológicos à noção de dignidade e direitos humanos; da ideia de educação universal à promoção da prosperidade econômica e valorização da família. Esses são alguns dos aspectos que delinearam a história do Ocidente nos últimos cinco séculos, a partir da Reforma Protestante. No cerne de todos eles, está um livro: a Bíblia. Do mais devoto leitor ao mais cético crítico da Palavra de Deus, não é possível negar a influência das Escrituras na formação das sociedades modernas no lado oeste do globo. Ela moldou o pensamento ocidental e, ainda, tem forte influência sobre ele.
Entretanto, isso está mudando. Estudos recentes têm demonstrado um crescente abandono das doutrinas mais básicas do Texto Sagrado, mesmo entre aqueles que se dizem cristãos. Um exemplo foi a mais recente edição do American Worldview Inventory (em tradução livre, Inventário da Visão de Mundo Americana), uma pesquisa periódica que avalia como a população adulta dos Estados Unidos enxerga a realidade à sua volta. Segundo esse levantamento, dos 176 milhões de adultos norte-americanos que se identificam como cristãos, apenas 6% realmente adotam uma cosmovisão bíblica. A análise foi realizada pelo Centro de Pesquisas Culturais da Universidade Cristã do Arizona (EUA).
No inquérito, os entrevistados cristãos disseram crer em diversas ideias antibíblicas: 62% dos que se nomeiam evangélicos afirmam que o Espírito Santo não é um ser vivo real, e sim apenas um símbolo do poder, presença ou pureza de Deus; 61% consideram que todas as crenças religiosas têm o mesmo valor; 60% acreditam que, se uma pessoa for boa o suficiente, ou realizar boas obras, poderá ir para o Céu quando morrer, independentemente de sua crença em Cristo.
À medida que os princípios bíblicos passam a não influenciar plenamente o pensamento daqueles que dizem crer na Palavra, serão ainda menores os reflexos dela na sociedade em geral. É o que pensa o pesquisador-chefe do Centro de Pesquisas Culturais da Universidade Cristã do Arizona, George Barna. Para ele, esse fenômeno de ignorância a respeito de pressupostos teológicos básicos se deve ao fato de os EUA estarem tomados por uma forma de cristianismo meramente nominal. Em seu entendimento, o termo “cristão” tornou-se uma expressão genérica, adotada por qualquer pessoa, e não apenas por aqueles que carregam um profundo compromisso de buscar apaixonadamente ser como Jesus Cristo.
Entretanto, há quem exponha outras razões para esse afastamento das Escrituras. “Até o século 16, enquanto a Igreja era a única a ter acesso à leitura bíblica e à sua interpretação, era a inquestionável detentora da verdade”, avalia Lídice Meyer, pós-doutora em Antropologia e História, assinalando que, a partir do acesso à educação e à Bíblia, em diversos idiomas, isso mudou. “O livre acesso e a livre interpretação da Palavra, pontos tão defendidos por Martinho Lutero [1483-1546], transformaram-se em uma faca de dois gumes. Se bem utilizados, levam ao fortalecimento e à firmeza na fé, mas, quando mal-empregados, podem dar origem a uma variedade de doutrinas e heresias.”
Meyer afirma que alguns traços desse afastamento da verdade bíblica podem ser percebidos no contexto nacional. Ela aponta a pouca ênfase dada pelas lideranças à leitura e ao estudo da Palavra em muitas igrejas país afora. De acordo com a especialista, as pessoas acabam se limitando à memorização, por repetição, de seus textos favoritos, o que abre espaço para a aceitação de qualquer mensagem espiritualista como sendo bíblica e inquestionável. “Diariamente, as pessoas são bombardeadas por postagens nas redes sociais com belas imagens e fundamentos espirituais que pouco ou nada têm a ver com os ensinamentos bíblicos.” Assim, na opinião da antropóloga e historiadora, aqueles que não têm conhecimento da Palavra tendem a absorver essas mensagens, sem filtros, gerando o que os estudiosos definem como “pluralismo religioso”.
“Somente um Salvador” – A teologia pluralista afirma que a salvação eterna é assegurada ao fiel de quaisquer tradições religiosas, já que Deus pode ter Se revelado aos fundadores delas, concedendo-lhes o poder de salvar. Para o inglês John Hick (1922-2012), um dos teólogos defensores dessa corrente filosófica, o cristianismo é como uma religião a mais que gira em torno de Deus que está no centro. Sendo assim, o Criador seria o grande Sol em torno do qual circulam todas as crenças, e a fé cristã seria apenas mais uma a seguir esse mesmo movimento.
No entendimento do Pr. Sérgio de Sousa, Prof. de Teologia da Faculdade Evangélica de São Paulo (FESP), esse modo de pensar se reveste de um belo verniz de conciliação, mas não tem qualquer fundamentação bíblica. “Jesus disse que Ele é o Caminho, a Verdade e a Vida. Ninguém chega ao Pai senão por Cristo”, lembra o professor, citando o conhecido texto de João 14.6. O pior de tudo é que, de acordo com Sousa, os cristãos que sustentam essas palavras de Jesus são considerados “intolerantes”.
Na opinião do pregador, os crentes no Senhor precisam andar firmados na Palavra, diariamente, a fim de sustentarem um testemunho atrelado a ensinamentos bíblicos consistentes. E ele acredita ser necessário o retorno do ensino sistemático da Palavra nas igrejas, para que os fiéis adquiram estrutura espiritual e sejam firmados na Verdade. “Caso contrário, surge uma geração fraca que, por falta de conhecimento, crê na salvação dissociada de Cristo, de maneira que não temos somente um Salvador, mas salvadores.”
O Pr. Douglas dos Santos Paiva, líder regional da Igreja Internacional da Graça (IIGD) de Deus em Santa Luiza (MG), reforça ser necessário formar igrejas fortes, treinadas e cheias de fé, com bases doutrinárias sólidas para combater o pluralismo religioso. “Somente com avivamento e renovo, a partir de uma Igreja de princípios, que não negocia seus valores, esse fenômeno será revertido.” Paiva considera importante o retorno à essência que é Cristo, a cabeça da Igreja, como propõe o apóstolo Paulo na carta aos Colossenses: E ele é antes de todas as coisas, e todas as coisas subsistem por ele. E ele é a cabeça do corpo da igreja (versos 17 e 18).
O líder sinaliza que, atualmente, muitas pessoas desejam vivenciar um cristianismo sem Cristo, uma graça barata, sem renúncias. “Tudo começa com o Evangelho que elas ouvem. São palavras que afagam o ego e trazem aceitação para o seu modo de viver”, enfatiza ele, argumentando que essas pessoas são imaturas e têm uma espiritualidade superficial. “Elas não desenvolvem um caráter cristão e, com isso, são afetadas pelo esfriamento, que reflete a morte espiritual.”
“Comunhão com o Senhor” – Por outro lado, as igrejas alicerçadas na Palavra produzem cristãos fiéis – aqueles que procuram conhecer, cada dia mais, as verdades contidas no Livro Eterno – a fim de não serem levadas por qualquer vento de doutrina (Ef 4.14). É o caso da secretária Laila de Oliveira Siqueira, 35 anos, ministra de louvor das Mulheres Que Vencem (MQV) na IIGD no Centro de São Lourenço (MG) e leitora assídua das Escrituras.
Ela pensa que, assim como o homem precisa do alimento para se manter saudável fisicamente, ele necessita do conhecimento da Palavra para seu sustento espiritual. “Quanto mais conhecermos a Verdade, menos seremos enganados. A constância na leitura bíblica e da oração são fundamentais para se obter comunhão com o Senhor. Isso gera fortalecimento e amadurecimento na fé. Somente dessa forma, o cristão não será levado por falsos ensinamentos doutrinários.” Convicta de que toda a Bíblia é a inerrante Palavra de Deus, ela rejeita qualquer ideia que contrarie a soberania das Escrituras ou sua divina inspiração. Em sua opinião, qualquer pessoa que o faça deixa de lado o próprio Deus, pois diminui Sua autoridade. “Coloca-se como senhor de si mesmo”, avalia.
A obreira Ana Francisca Vieira da Silva, 52 anos, da Igreja da Graça de Deus em Morada Nobre, na cidade de Valparaíso de Goiás (GO), também se dedica diariamente à leitura da Bíblia. “Precisamos estar alimentados espiritualmente. O Senhor deseja ter comunhão conosco. É por meio da Bíblia que Ele Se revela a nós, evidenciando o que resulta em bênção para a nossa vida.” Para ela, quem está em Cristo não pode ser tragado pelo relativismo em relação ao Texto Santo. “Nossa visão e nossas crenças devem estar concentradas em Jesus, que é o Autor e Consumador da nossa fé. Somos sal da Terra e a luz do mundo. Então, devemos fazer a diferença, sendo influenciadores, e não influenciados”, conclama.
“Unção e autoridade” – Paralelamente ao esforço diário de cada crente na busca por firmar seus passos na Palavra, cabe às lideranças eclesiásticas seguirem o que Jesus ensina em João 10, municiando o membro com ferramentas que contribuam para seu crescimento espiritual. Contudo, muitas igrejas vêm falhando nesse quesito, na opinião de líderes como o Pr. Natan Alves Martins, da Assembleia de Deus Brasilândia 2, na zona norte de São Paulo (SP).
De acordo com ele, muitos pastores ministram estudos complexos demais – que as pessoas não compreendem – ou, então, ensinamentos muito superficiais. Com a falta de solidez no ensino e ausência de visão bíblica, argumenta o líder, sobram comodismo e esfriamento espiritual, problemas que têm como consequência a iniquidade, a qual vem assolando os países desenvolvidos. Em sua opinião, o desapego à Palavra está acontecendo porque a Igreja de Cristo se calou nesses lugares. “É necessário que os cristãos despertem para a prática do evangelismo, que é uma ordenança do Senhor, um privilégio e uma responsabilidade. Não somos iguais ao mundo. Somos separados, chamados para uma vida de temor e de relacionamento com Deus, seguindo as verdades bíblicas.”
No entanto, Natan Martins assinala que, como homem de fé, não acredita que, no Brasil, acontecerá o mesmo fenômeno demonstrado pela sondagem feita nos Estados Unidos e abordada no início desta reportagem. “Creio que Deus despertará cristãos avivados, cheios de autoridade e unção, conhecedores do genuíno Evangelho, que transforma, cura, liberta e restaura. Acredito em nossa nação como celeiro de homens cheios do Espírito Santo, que levará o despertamento espiritual para outras regiões do mundo.”