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Sem compromisso com as doutrinas bíblicas, alguns evangélicos estão deixando de lado a cosmovisão cristã para abraçar o secularismo
Por Ana Cleide Pacheco
Há pouco mais de 500 anos, um movimento iniciado na Alemanha começou a se espalhar pela Europa, abalando as estruturas da cristandade. Liderada por Martinho Lutero (1483-1546), a Reforma Protestante buscava um retorno à fé genuína, pregada pelos apóstolos e, para tanto, preconizava o apego incondicional às Escrituras Sagradas. Para o monge alemão e os milhares de seguidores que se uniram a ele, a Bíblia era a Palavra de Deus – sem erro e com a expressão única da Verdade revelada à humanidade. Assim, qualquer doutrina que não estivesse muito bem fundamentada em suas páginas deveria ser rejeitada pela Igreja de Cristo. Do mesmo modo, o ponto de vista bíblico deveria limitar a visão dos fiéis acerca de si mesmos, dos outros e do mundo.
Porém, cinco séculos se passaram, e, ao que tudo indica, muita coisa mudou. Atualmente, uma parcela considerável dos cristãos protestantes norte-americanos está deixando os ensinamentos bíblicos para adotar uma cosmovisão secularizada. Para muitos desses evangélicos, o Livro Sagrado não é mais o instrumento orientador de sua forma de pensar sobre o mundo e até sobre a fé. É o que mostra uma pesquisa realizada nos Estados Unidos que ouviu mais de três mil estadunidenses, cristãos e não cristãos, com idades de 18 a 55 anos. Entre os evangélicos, 70% negaram uma doutrina bíblica básica: a salvação eterna exclusivamente pela fé no sacrifício de Cristo na cruz, em favor da humanidade.
De acordo com esse estudo de campo, sete em cada dez protestantes acreditam que, além do Evangelho, outras doutrinas religiosas podem levar as pessoas ao Céu. Na faixa etária de 18 a 29 anos, 30% não souberam dizer se Jesus pecou enquanto esteve neste mundo ou acreditam que Ele, como homem, certamente cometeu muitos deslizes. Pastores e igrejas não podem mais presumir que os membros da congregação deles ou organizações cristãs têm uma visão de mundo bíblica, comentou o autor, palestrante e radialista Kerby Anderson, presidente da Probe Ministries – organização responsável pelo levantamento – em entrevista ao site cristão Church Leaders.
Para Anderson, o problema da desconexão dessa mocidade com a Bíblia pode ter origem na presença perniciosa das mídias e das redes sociais, em especial entre os mais jovens. Essa tendência perturbadora também advém do fato de os pastores não ensinarem a doutrina bíblica de forma consistente. Mas, também, pode ser atribuída aos jovens cristãos que não estão prestando atenção. Integrantes da geração tecnológica de hoje estão focados quase exclusivamente, ao que parece, em seus telefones, mídias sociais e outras coisas que eles julgam mais atraentes, constatou.
Apesar de a análise ter sido feita nos EUA, a reportagem de Graça/Show da Fé decidiu apresentar seus resultados a alguns entrevistados para capturar suas impressões. Na opinião do Pr. Renato Oliveira Silva, 38 anos, líder da Igreja Internacional da Graça de Deus (IIGD) em São José do Rio Preto (SP), os dados daquele estudo não revelam uma realidade apenas dos cristãos norte-americanos. Para ele, é perceptível a apostasia da fé genuína entre muitos cristãos brasileiros. “O verdadeiro amor não consiste apenas em ajudar o próximo, fazendo e praticando o bem, mas também, e sobretudo, em seguir e executar todos os ensinos e preceitos deixados na Santa Palavra. Muitos têm abandonado tais ensinos”, frisa. O líder assinala que Jesus, em Mateus 24.12, declarou: E, por se multiplicar a iniquidade, o amor de muitos se esfriará. “É triste dizer, mas essa é a realidade. Há uma redução do nível de santidade e cumplicidade com o Evangelho genuíno, mesmo entre aqueles que se intitulam cristãos.”
O evangelista Guilherme Batista, 31 anos, da Assembleia de Deus Campo de Campinas, em Goiânia (GO), compartilha da mesma opinião do Pr. Renato Oliveira Silva. Para Batista, a modernidade tem feito muitos se renderem à ideia de um cristianismo raso, sem compromisso. A fim de exemplificar como se expressa o problema, ele relatou que, em certa ocasião, ao se identificar como evangélico para uma pessoa que não o conhecia, foi questionado por ela: Você é evangélico praticante ou não praticante? “Aquilo me assustou. Não era essa a visão que as pessoas deveriam ter dos cristãos. E mais: não creio que exista a opção ‘não praticante’ para o crente em Jesus”, observa o evangelista, para quem o resultado da análise deve servir como “combustível” para os verdadeiros servos do Senhor pregarem ainda mais a Sua Palavra. “Sabemos que a salvação em Jesus é a principal mensagem do Evangelho e uma pesquisa como essa impacta aqueles que amam a Deus.”
Atenção às crianças – O Pr. Bruno Sampaio Jannuzzi, 46 anos, líder dos jovens da Comunidade Evangélica Jesus Vive, na Tijuca, zona norte do Rio de Janeiro (RJ), afirma que a Igreja precisa dialogar hoje com foco nas novas gerações. Ele vê o resultado do estudo como uma oportunidade para os líderes redirecionarem suas ações e estratégias na proclamação do Evangelho, principalmente no que diz respeito à juventude, mais sensível às questões de interesse coletivo. “Os jovens estão buscando respostas na sociedade e em outras ‘tribos’, quando, na verdade, a resposta deveria ser ofertada pela Igreja.”
Jannuzzi lembra que a Palavra de Deus é a verdade e a única maneira de fazer homens e mulheres conhecerem o Senhor e se conectarem com Ele. No entanto, o líder assinala que a juventude está cada vez mais engajada em diversas causas de cunho social, como discriminação racial e questões ambientais. “A Igreja não pode fugir da realidade do dia a dia e deve tratar essas questões, sem se esquecer, obviamente, da mensagem central do Evangelho, que é Jesus Cristo, Senhor e Salvador da humanidade.”
A Pra. Flaviane Grangeiro, 44 anos, educadora atuante no ministério infantil e conselheira de jovens na Igreja LifePoint, em Deerfield Beach, no estado norte-americano da Flórida (EUA), participou recentemente de uma conferência cristã, na qual foram apresentados dados alarmantes. Segundo tais informações, os Estados Unidos estão vivendo um aumento exponencial no número de igrejas – e nunca tantos templos foram abertos no país como agora –, no entanto, a cada dia, mais cristãos norte-americanos estão esfriando na fé, o que é um grande paradoxo.
Em sua opinião, a solução do problema passa por investir na evangelização e no discipulado dos pequeninos. “As igrejas têm dado pouca importância às crianças e não têm priorizado o ministério infantil. Elas sempre ficam por último, na menor salinha, com menos recursos. E o que Jesus disse acerca delas? Deixai vir os pequeninos a mim e não os impeçais, porque dos tais é o Reino de Deus [Mc 10.14]. Acredito que precisamos ter um olhar mais sensível a elas, para, quando crescerem, não se desviarem do Caminho.”
Flaviane cita o clássico livro sobre Educação Cristã Handbook on children’s evangelism (em tradução livre, Manual do evangelismo de crianças), de autoria do canadense Lionel Hunt, publicado pela primeira vez nos anos de 1960. A obra cita uma pesquisa a qual mostra que a maioria dos convertidos recebe Cristo como seu Salvador ainda na infância. De acordo com a obra de Hunt, se cem crianças forem evangelizadas e discipuladas, a maioria (85%) se converterá ao Senhor. “Se fizermos isso com pessoas dos 15 aos 30 anos, apenas 10% irão aceitar Cristo. Após os 40 anos, só 4%”, ressalta Flaviane, lembrando que o texto informa que, se alguém não ouvir falar de Jesus até os 14 anos, é pouco provável que creia no Evangelho ao longo da vida. “Se não discipularmos esta geração, o mundo o fará. Devemos investir tempo, dinheiro e crer que, daqui a dez anos, ela será mais saudável.”
Nova Reforma – O Pr. Ilton Martins, 36 anos, da Assembleia de Deus Ministério Comunhão, em Linhares (ES), concorda com a Pra. Flaviane Grangeiro. Ele acredita que os dados desastrosos apontados pela sondagem norte-americana são fruto de ensinamentos secularistas e progressistas, inoculados nas mentes dos jovens desde a infância. “No Brasil, por exemplo, há um processo de doutrinação em curso, nas escolas, desde a Educação Infantil até a universidade, que tem por objetivo desconstruir os valores cristãos. São largamente ensinadas ideologias que confrontam os princípios bíblicos”, alerta.
Para Martins, esse quadro problemático é reforçado por outros fatores. “A negligência dos pais no sacerdócio do lar e a pobreza doutrinária dentro das igrejas colaboram para esse triste cenário”, aponta o pregador. Ele afirma que existe um desprezo pela mensagem central das Escrituras. Ilton Martins observa que, em muitas igrejas, prega-se, por exemplo, que fazer caridade e não prejudicar o próximo já é suficiente para alguém alcançar a salvação. “Ninguém é salvo pelas obras, e sim pela graça, mediante a fé no sacrifício perfeito de Cristo no Calvário.”
O pastor assembleiano defende, aliás, a polêmica tese de que a Igreja Evangélica precisa de uma nova reforma. “O Evangelho pregado em nosso tempo, em inúmeros casos, é antropocêntrico e triunfalista, e não leva as pessoas ao verdadeiro arrependimento. Não basta sermos bons, precisamos ser santos. Sem santidade, ninguém verá o Senhor”, prega ele, referindo-se à passagem de Hebreus 12.14. Na opinião do Pr. Ilton Martins, se a pesquisa citada no início desta reportagem fosse feita no Brasil, os resultados não seriam diferentes daqueles coletados nos EUA. “A atual geração não possui convicções fortes. Um jovem muçulmano entra em uma universidade na Europa, berço do protestantismo, e sai de lá com as mesmas convicções que tinha antes. Um jovem evangélico brasileiro entra em uma universidade no Brasil e, em poucos meses, torna-se um militante revolucionário e começa a questionar a sua fé”, compara.
O líder lembra que, no passado, as igrejas evangélicas eram consideradas bastante radicais, mas hoje muitas estão afundadas no liberalismo, contrariando princípios básicos da Palavra. “A Igreja sobreviveu aos imperadores romanos, à Inquisição, ao nazismo, ao comunismo e, também, sobreviverá a esses dias trabalhosos”, garante Martins, ressaltando a importância do fortalecimento das escolas bíblicas e dos cultos nos lares para os jovens terem convicções firmes e uma confiança em Deus gerada pela leitura de Sua Palavra. “O papel da Igreja de Cristo é cumprir o Ide de Jesus, suportar a perseguição, não se conformar com este mundo e arrepender-se, para haver sobre o Brasil um grande avivamento”, conclama.